Talentos

Copo Vazio

Eu pensei que seria fácil como observar nuvens e enxergar anjos, peixes, casas e sonhos de algodão, sem precisar estar certa. Chove agora e observar nuvens não é simples como antes.

Chega o cinza, chega o tempo em que as cores ofuscam a visão e não existe mais pote de ouro, muito menos o arco-íris. Delírios de uma garota dramática e sentimental com algumas moedas no bolso que servem para comprar alguma outra coisa que não seja a felicidade.

Apenas chove e a água que purifica também faz escorregar.

Eu pensei que ainda era cedo e que o ponteiro do relógio pararia por algumas horas, só para eu observar melhor a floresta em que me perdi. Eu não sabia que ficaria tonta quando o mundo girasse de repente. Tola por não saber que as mesmas peças do quebra-cabeça podem se encaixar de outra forma.

Sinto vontade de gritar, mas meus olhos estão vendados. Tento enxergar o que se passa, mas na minha boca tem um esparadrapo. Quero caminhar, mas meus braços estão amarrados. Quero me agarrar a alguém, mas minhas pernas estão cruzadas.

Gostaria de saber o caminho de volta, mas estou perdida no abismo, na floresta, no meio da rua, dentro de mim.

O silêncio quase mudo ainda não sabe suspirar e quer sufocar meu grito contido e falido. Não posso me perder no silêncio, pois preciso do eco para conseguir falar comigo.

Era um silêncio que mais parecia uma bomba. Explodiu sem estouro e foi me matando aos poucos. Pertenço à nova velha geração de conquistas escondidas em bombas e sei que posso explodir com ela.

Saindo sem pretensão, mas com algumas moedas no bolso.

Saindo com a cara lavada, com as mãos dormentes e algumas pedras nos sapatos.

Saindo sem rumo, observando carros, ouvindo buzinas, acompanhando o voo dos pombos, olhando para o céu e decifrando nuvens, antes da chuva.

Caindo no abismo, para cessar a dor. Caindo no abismo, para me perder de você.

Caminhando e vendo a vida correr na minha frente, mas sem acompanhá-la.

Calos, pedras, poças e a senhora de bengala atrasam os meus passos. Não é minha culpa que o tempo não saiba contar as horas e nem saiba cocoricar.

Um "pequeno" retrocesso, quando vivo o ontem ritmado, seguindo o anteontem contido nos passos do "palhaço ambulante" que segue cabisbaixo, após ter perdido o seu nariz.

Não quero dizer o quanto estou feliz, nem o quanto estou triste. Só sei dizer que não sei mais o que dizer. Talvez tenha perdido um pouco da coragem e não arrisque como antes, ou então não saiba mais correr. É difícil aceitar que cresci dois centímetros e perdi toda aquela inconsequência...

Escondendo tudo. Como as sobras incertas que se apoderam do chão da sala e são empurradas para debaixo do tapete. Como os olhos na mais profunda tristeza, amparados pelos óculos escuros. Como o calendário que prova que os dias passam, apesar de parecerem iguais. Mas, ainda assim, tenho um travesseiro e posso dormir e sonhar.

É um pouco difícil salvar a noite, principalmente quando ela cai, mas já estou providenciando um paraquedas.

Submergindo em um "simples" copo vazio, para matar a sede de tudo que não provei ainda, de tudo que não constatei e se esconde em tudo aquilo que ainda não sei o que é.

O copo vazio está no canto da mesa a observar os movimentos repetidos de mais uma nobre família feliz. Antes que se mova, o nobre menino feliz o derruba e ele despenca. Últimos momentos, filminho da vida. Cadê a mão para puxá-lo de volta?

Caindo. Abismo. Caindo. Abismo. Caindo. Chão. Cacos.

Os sonhos decaídos repousam no travesseiro de plumas (roubadas no último carnaval).

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Inspiração

A inspiração surge nos momentos mais inusitados e é como se estivesse envolvida por uma película mágica. Posso dizer que as pessoas são a minha maior fonte de inspiração. Quando escrevo, os personagens do teatro da vida, que vivem nas entranhas de um mundo tão emblemático, resolvem se mostrar e as palavras brotam de maneira espontânea.

Sobre a obra

A arte não deve ser explicada, mas sim sentida. Cada um pode ter uma percepção diferente, de acordo com as suas vivências e emoções. Uma mesma obra pode ter múltiplas interpretações e despertar sensações diferentes em cada indivíduo. A beleza da arte está em despir-se de rótulos. Explicar a arte é limitá-la.

Sobre o autor

Para mim, a arte funciona como uma espécie de Panaceia, capaz de curar todos os males. Por mais atribulada que seja a vida, ela se torna mais leve quando é possível enxergá-la com poesia, dando valor aos pequenos detalhes e se permitindo sentir “o novo”. Além da escrita, dedico-me também à arte abstrata (desenhos), ao canto e à fotografia.

Autor(a): ANDRESSA PACHECO DA ROCHA DIAS ()

APCEF/BA