Talentos

Assassinato lusitano

Os investigadores encontraram a vítima na cena do crime com um bilhete ao lado do corpo: “O português mata”. A partir dessa valiosa evidência, a investigação durou dias, semanas, meses. As forças de inteligência da polícia do Estado dispensaram horas e horas de investigações, análises, busca de evidências e provas. Tudo em vão. Nada de encontrar o tal do português assassino. Mesmo depois de apreender os passaportes de todos que tivessem alguma ligação lusitana na região. Parecia o crime perfeito.
Até um pequeno garoto do ensino fundamental desvendar.
A vítima era um discente que escrevia sua tese, visando se tornar docente e, que por ironia, provocou uma antítese, ao dormir acordado sobre seus escritos. E quando se deu conta, percebeu que a antítese poderia se tornar um eufemismo. O sono poderia se tornar algo pior. Tão pior quanto uma hipérbole. – Meu Deus! Uma hipérbole literal seria o fim da vida! – Pensou ele, e, nesse momento, percebeu que fez uso de um apóstrofo para fazer valer de uma apóstrofe. Era demais, passou mal só de pensar em usar a classe gramatical dos numerais para enumerar quantas figuras de linguagem já havia usado. Resolveu desenhar. Talvez fosse mais fácil transformar em figura todas as figuras gramaticais. Não! Repetiu mais uma vez! Céus! Agora uma apóstrofe seguida de pleonasmo! Respirou fundo, se concentrou e contou até dez. Mais calmo, resolveu voltar aos estudos. Percebeu que quanto mais lia, mais confuso ficava, sobretudo quando lia sobre tudo, usando um sobretudo. Mais do que rapidamente tirou esse último, afinal, não fazia sentido algum usar aquele casaco dentro de casa, alem de abusar de homônimos. Voltou ao início. Fez paráfrase de cada frase, mas se perdeu já na primeira crase. E feito uma sinestesia, ele sentiu o frio no olhar. Como uma metáfora, seus dedos pareciam um fumo de corda. O pulso de seu coração parecia clamar por socorro, numa perfeita prosopopeia. Uma mão caiu desfalecida, evidenciando seu péssimo estado, tão péssimo quanto a cacofonia recém cometida. E bateu as botas, ali mesmo, bem eufêmico.
Mas não ficou claro quanto ao bilhete. Para fechar o caso, era preciso decifrar o escrito. “O português mata” deixava tudo meio vago e abria brecha para diferentes interpretações. Talvez “O Português mata” poderia realmente se referir a algum português específico ou, até mesmo, tão específico que pudesse realmente se chamar Português. Já “O português Mata” poderia se referir a algum português com descendências espanholas em seu nome ou sobrenome e que, não necessariamente, seria um assassino. “Mata o português!” – gritou um policial mais reacionário no fundo da sala, já impaciente com toda a história. Por bem, ninguém concordou. Matar o português seria outro caso policial. Por fim, nosso pequeno estudante fundamental, mais uma vez esclareceu: A vítima estava tão confusa que, ao escrever o bilhete mórbido tinha dúvidas na grafia e, para não comprometer mais ninguém, preferiu escrever em garranchos para fugir da responsabilidade de mais algum equívoco.
“Ok, então quem matou o sujeito?” – perguntou o chefe de polícia que alisava o queixo em profunda confusão mental.
Errado! O sujeito é o assassino! Em “O português mata”, o sujeito é o próprio português. Nossa língua nativa que o matou! Toda a riqueza da língua portuguesa resumida em um sujeito simples.
Simples! Quanta ironia.

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Inspiração

Devaneios e divagações mentais.

Sobre a obra

Narrativa breve e intencionalmente recheada de figuras de linguagem, homônimos, palavras de duplos sentido e etc. O resultado; só lendo. :)

Sobre o autor

Adorava ler e escrever na minha infância e adolescência, esse concurso me fez rever antigos textos salvos.

Autor(a): FLAVIO LUIZ KLICHOWSKI ()

APCEF/PR