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Emoticons
Um dia resolveu que não era necessário falar. Afinal, para que falar, se a tecnologia permite a total substituição das palavras, e até com vantagens? Sem as palavras, menos machucados, menos interpretações equivocadas. Sem as palavras, não existe a pedra lançada em um momento de tempestividade, e tão pouco o posterior remorso, o arrependimento. Bem melhor um mundo sem palavras. Sem esquecer que, sem palavras nos apraz o silêncio. Ah! Mergulhos mais profundos; o equilíbrio. Brigar para se fazer entender já não cabe em tempos modernos.
O celular passou a ser seu porta-voz: Redes sociais, emails, aplicativos de mensagens. Os dedos treinados deslizavam pela tela do aparelho. Seu pensamento era compreendido sem problemas. Já não existia a tensão de apresentar uma idéia em público, o suor, a gagueira nervosa. Com o tempo, menos palavras e mais expressões nas figurinhas. Nas datas festivas, as palminhas, o bolo, os confetes coloridos. Na contrariedade, o desenho do rosto vermelho de raiva, a boca fechada pelo zíper, ou ainda o rostinho sem a boca, emudecido. Nas demonstrações de afeto, os corações de todas as cores.
E diante de tal simbiose, o incrível aconteceu. A tecnologia se lhe incorporou ao corpo. Já não necessitava do celular. Ao abrir a boca, saltavam símbolos! Nas alegrias, o rosto de sorriso se materializava no ar, suspendia e desaparecia como por encanto. Nas comemorações, as palmas saltavam no ar. Cantava em silencio, as notas saltando e se dissipando ao vento. Todos os chamados “emoticons” se incorporaram, sabe-se lá como, ao seu organismo. Era um sucesso.
Até que um dia, a grande raiva, o desejo de morte diante do desafeto. A faca subiu rasgando a sua garganta. Não conseguiu expressar a última dor.
Inspiração
A ideia surgiu a partir da observação de como a tecnologia alterou o modo de comunicação das pessoas
Sobre a obra
Uma crônica.
Sobre o autor
Paulo Roberto Araujo, 52 anos. Retrato a vida.
Autor(a): PAULO ROBERTO PEREIRA DE ARAUJO ()
APCEF/CE