Talentos

O dia em que aprendi que nem tatuagens são pra sempre

Atualmente, parece que todos têm pelo menos uma tatuagem, por menor que ela seja. Basta dar uma busca rápida na Internet pra ver pesquisas que indicam que os tatuados hoje são jovens, têm ensino superior e ganham bem. Ou seja, a prática que há algumas décadas era bastante marginalizada, hoje está cada vez mais em alta e ter um desenho no corpo é, muitas vezes, um símbolo de personalidade própria.
Como um bom aquariano (sim, acredito em astrologia), desconstruído, curioso e “diferentão”, posso dizer que sempre tive vontade de fazer tatuagem. Essa intenção se aguçou nos últimos meses, quando praticamente todos os meus amigos decidiram pôr no corpo algum desenho que tivesse a ver com suas vidas de alguma forma. Ainda levando pro lado dos astros, eu sempre fui impulsivo (sim, a culpa não é minha, é do meu ascendente) e precisava pensar bastante a respeito de que desenho colocar sobre a minha pele, afinal, tatuagem é pra sempre, né? Eu acreditava nisso.
Bem, decidi procurar um tatuador de confiança e que tivesse afinidade com o tipo de traço que eu queria colocar no corpo. Poderia ser algo relacionado ao meu signo: a constelação de Aquário, talvez. Também poderia ser um gatinho. Tenho cinco bichanos que são meus filhos e seria uma homenagem a eles. Sou tão intenso, dentro de mim há um turbilhão de emoções que se fundem e se confundem diariamente, que vários rabiscos poderiam ser representativos.
Pensei muito, vi as redes sociais de uma tatuadora que ama animais e decidi: vou tatuar um gato. A escolha do gato tem a ver com outra característica minha: a liberdade. Quem convive com felinos sabe o quanto eles têm o espírito livre. Decisão perfeita porque poderia unir meu amor pelos animais e o meu desejo insaciável de ser sempre livre. Entrei em contato com ela, enviei as referências e ela fez um desenho exclusivo pra mim, do jeito que eu queria: um gato bastante colorido e cheio de vida. Bem simbólico.
Criei coragem, fui no dia marcado, deitei naquela maca e foi. Eu imaginava que iria doer, mas não pensava que a dor era tão grande. Não sei se porque a tatuagem era toda colorida e preenchida ou se porque dói mesmo independente disso. Apesar da dor, me mantive lá por 2h40, ouvindo aquele barulhinho daquela máquina e torcendo pra que aquele incômodo acabasse. Tatuagem finalizada, voltei pra casa, fotografei aquela arte e publiquei nas redes sociais. Foram muitos elogios. Até minha mãe, que torceu o nariz com a ideia da tatuagem, expressou: “tá linda. Muito bem feita. Gostei”.
No dia seguinte, acreditem, bateu o arrependimento. Me olhava no espelho e não me enxergava, só conseguia ver aquele desenho colorido, de quase 12cm, estampado no meu peito. Comecei a enxergar na tatuagem defeitos inexistentes, mas nada, absolutamente nada, me deixava mais confuso do que a ideia de que aquele gatinho me acompanharia pro resto da minha vida.
Como, logo eu, o desapegado, livre, que sempre acreditou que nada é pra sempre, poderia ter feito uma tattoo? E agora? O que eu poderia fazer? Esses questionamentos foram pra sala da terapeuta. Em uma sessão que durou 40 minutos e com vários paralelos traçados pela psicóloga, aquela conversa me fez, no auge dos meus 27 anos, entender algumas coisas e aprender mais sobre a vida.
Aquele foi o dia em que eu aprendi que, por mais livre e desapegado que eu seja, em determinadas situações, eu terei que tomar decisões que me farão criar raízes. Isso independe da minha vontade e eu preciso estar ciente disso. Naquele dia, eu também tirei o maior peso que havia quando eu olhava pra tatuagem: é pra sempre. A terapeuta me disse: “se um dia você quiser tirar essa tattoo, você vai tirar, hoje existe tecnologia pra isso. Pensar assim te deixa mais aliviado?”. Minha resposta foi automática: sim. O fantasma do “pra sempre” foi embora naquele momento e eu pude perceber que nada, absolutamente nada, nem tatuagens, é pra sempre.
Passados cerca de dez dias após tatuar o gatinho no meu peito, estou convicto de que fiz a coisa certa. Essa convicção vem porque fiz o que eu queria, no momento que eu queria. Me olho no espelho e penso: essa tatuagem está muito linda, tem tudo a ver comigo, expressa minha personalidade e me torna único. Estou me acostumando a olhar pra ela e sentir que ela faz parte de mim.
Sim, hoje estou apaixonado pela minha tatuagem. E amanhã? Amanhã não sei se estarei. Se eu não estiver, posso tirá-la daqui, mas não tenho pensado muito nisso. Um exercício que eu pratico diariamente é viver apenas o hoje, porque eu só tenho controle sobre o agora. Essa consciência de viver um dia de cada vez eu aprendi e estou aprendendo todos os dias fora do consultório, com a melhor psicóloga de todas: a vida.

Compartilhe essa obra

Share Share Share Share Share
Inspiração

A relação entre tatuagem e "pra sempre" instigou o questionamento: afinal, o que é pra sempre?

Sobre a obra

Crônica do gênero narrativa

Sobre o autor

Sou jornalista e amante de toda e qualquer expressão cultural. Empregado da CAIXA há quase 5 anos.

Autor(a): RAPHAEL DOS REIS CARVALHO ()

APCEF/PI