Talentos

A MESMA CHUVA

"A mesma chuva"

O som da chuva me acordou naquela manhã...
Normalmente eu não levanto quando acordo,
mas naquela sexta-feira eu levantei.

Levantei e fui na varanda ver de perto quem me acordara...
Uma cena linda! Chuva forte de manhã, céu claro.
Fiquei olhando a chuva caindo na rua.
De repente me vejo aos 13 anos... subindo a ladeira da rua Brasil com uma bola...
O Merio e o Duda vêm junto com o Malacóvisqui e "os moleques da rua do Miquéias"...
Todos nós corremos na chuva rumo ao pátio da igreja.
Lá encontramos o Bruno acompanhado do Léo e do Tarso.
Quando entramos chamamos o Déo, que mora do lado.
Daí eu peço pros meninos procurarem pregos
enquanto eu procuro um toco pra servir de martelo e consertar as traves de madeira.
(Todas as vezes nós precisávamos consertar as traves... e sempre tinha prego suficiente perdido por lá)
O Zezinho não procura nada... vai logo pegando a bola e dando ovinho no neto.
O Duda sempre acha o primeiro prego.
O Bruno ainda está calçando a conga da Fundação Bradesco e vestindo a camisa do "Messias Ézio".
O Merio continua procurando pregos...
O Miquéias ri do seu short rasgado... e o Luís diz que era do avô dele.
O Neto nem espera a trave ficar pronta e chuta a bola em direção a ela.
O Léo e o Tarso ficam num canto esperando.
O Déo pula o muro descalço pra jogar bola.
O Malacóvisqui tá distraído comendo uma manga que ele achou na vila militar.
Eu acabo de consertar as traves e digo: "Bora logo formar os times!"

Nesse instante o Duda vem pra perto de mim e fica me olhando...
O Neto tenta fazer um malabarismo com a bola pra ver se alguém escolhe ele.
O Merio suspende o meião verde.
O Zezinho põe a mão na cintura.
E os times são escolhidos.

O Jogo começa assim:
Eu, o Duda, o Neto e o Zezinho contra o Merio, Miquéias, Bruno e Léo.
O Déo foi em casa atender a sua mãe enquanto o Malacóvisqui, o Luís e o Tarso esperam no "Time fora".
A chuva não para...
Continua forte...
A bola desliza em cima da água...
Ninguém cansa...
Todos gritam de alegria quanto mais forte a chuva fica...
De repente um raio cai perto da gente!
O tempo para por um segundo.
Só a chuva cai.
Todos correm pra debaixo do telhado... rindo... assustados... felizes... adrenalina a mil!
Até que um volta correndo pro meio do pátio... na chuva... e todos perdem o medo.
O jogo continua... e vai parando com a chuva...
A chuva parou.
O tempo não.

Hoje eu tenho quase 23 anos... dez anos se passaram.
O Bruno é bancário, o Merio está na escola de sargento, O Miquéias e o Zezinho estão no exército...
O Luís está na Aeronáutica, O Déo vai se casar, o Malacóvisqui trabalha no distrito industrial...
O Tarso mora perto da igreja... não vejo mais o Léo, nem o Neto.
O Duda sempre foi o mais novo... ainda está estudando.

Hoje eu vi a mesma chuva... mas eu não me molhava.
Estava numa quadra coberta.
Não fomos correndo... chegamos de carro.
As traves eram de ferro... ninguém procurou prego.
O Merio não veio.
Eu não posso jogar... mas o Duda joga... muito!
Meu pai está aquecendo... querendo jogar com o joelho doendo.
Ele pensa que está velho... eu penso que estou machucado.
Mas é a mesma chuva...

O sábio disse "Jamais diga: por que foram os dias passados melhores do que estes?
Pois não é sábio perguntar assim.”

Dias melhores virão!
Não tenho dúvida!

Se for de Sol... que haja sombra.
Se for de Chuva... Melhor ainda!

"Melhor é o fim das coisas do que o princípio delas... Melhor é o paciente."

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Inspiração

Toda chuva é uma máquina do tempo. Primeiro ela para o tempo. Você para e espera, ou não.

Sobre a obra

A Crônica é sobre uma chuva-máquina-do-tempo em sua primeira viagem, fazendo-me voltar a dez anos atrás

Sobre o autor

Sou um intruso nas artes literárias. Um desajeitado tentando não atrapalhar a lição.

Autor(a): CLAUDIO BOECHAT GOMES FERNANDES ()

APCEF/AM