Talentos

O outro lado da parede

O OUTRO LADO DA PAREDE



Um menino de seus quatro anos, hiperativo, tagarela, correndo para todo
lado em um ambiente pequeno, à espera de uma consulta com perito médico na Secretaria Municipal de Ação Social na Rua Floriano Peixoto. Junho de 2012.
A mãe, preocupada, tensa, sem saber como lidar com o filho "levado".
De repente, o pequeno Patrick vem para o colo da mãe e, vendo ela os
olhares fixos dos presentes nas estrepolias da criança, traz a
informação desconhecida por mim e já motivo de desconfiança dos outros:
o Patrick é deficiente visual.
A mãe, pobre, sem recursos para sustentar -se a si e ao menino, vive com a mãe
dela e tem todo o seu dia ocupado em acompanhar as peraltices do filho.
Disse eu ´à mãe da criança que faria alguma coisa para ajuda
-la a dar dignidade e instrução ao seu filho
Idêntica promessa havia feito a alunos e alguns professores de uma escola pública municipal em um encontro de que havia participado, a convite no mesmo ano.
Sete Lagoas é uma cidade grande. Tem 217000 habitantes, segundo o último recenseamento demográfico, e dentre
eles,quantos cegos?
Ninguém sabe: IBGE, Ação Social da Prefeitura local, Associação de Deficientes Visuais da
cidade. nada! Ninguém sabe quantos são, onde e como vivem, necessidades, principalmente os
sonhos de cada um.
A impressão que tenho é de que inexistem na cidade. Ledo engano!
Cego que sou , chegam ao meu conhecimento notícias de diversas pessoas
também cegas nesta cidade, que vivem os mais variados tipos de
problemas e discriminação como se fossem párias da sociedade.
Não fazem parte de cadastro algum , não sabem de seus direitos, não são
objeto de pesquisa alguma. Nascem, crescem e vivem abandonados à própria
sorte. Não fazem parte da preocupação e amparo que nossa Constituição
lhes garante.
A única coisa que ouço, vinda de autoridades ou de pretensos líderes políticos e sociais, são palavras vãs, ao vento, fantasiando tal “ olhar com o coração” ou mesmo sobre a natureza que dota os cegos de um sentido mais aperfeiçoado que substitua a visão.
Tudo poesia! Cego que se orientar pelo coração para andar, vai dar com a cara na parede e/ou com a perna dentro de um buraco.
Outra coisa: perdeu o sentido da visão? Então, a partir de tal momento, conte apenas com os outros quatro.
A vida, para quem enxergou alguma vez nela, é essencialmente visual. Nada há que substitua o enxergar. A visão é tão importante que raramente nos damos conta dos outros sentidos pois ela, na maioria das vezes, substitui ou oculta os outros.
Quais os motivos desse ostracismo dentro das casas, dos bairros, da cidade?
Três , no mínimo. Uma por que felizmente somos ínfima parte da sociedade ,
outra porquê infelizmente somos parcela mínima desta mesma sociedade e
finalmente porquê não residimos na capital do Estado.
A população cega felizmente é pequena, deduzo. Graças a Deus a perda da
visão ou a cegueira congênita acometem pequena parcela da população.
Exatamente por isso existe a discriminação pois, infelizmente, a demanda é pequena se
comparada aos outros grandes problemas de saúde existentes. Os Executivos do
interior do Estado tratam essa situação como se ela não existisse. Não dá IBOPE, não
se traduz em votos.
Os cegos, em sua absoluta maioria, são pobres, analfabetos, sem cultura e
sem noção alguma de cidadania.
A população cega que vive nas capitais de Estado possui uma gama enorme
de facilidades para fugir da exclusão social. O Governo do Estado
disponibiliza grandes estruturas de educação e lazer capazes realmente
de até mesmo colocar um cego em condições de disputa por vaga no mercado
de trabalho.
No interior do Estado, desde uma cidade do porte de Sete Lagoas como
outras de maior ou menor porte, o que se vê é o abandono e o
desconhecimento dos anseios da mãe do Patrick e do grande potencial
criativo e intelectual daquela que é a criança símbolo deste projeto.
Como agir para emancipação e exclusão destes brasileiros da escuridão dos
lúgrubes fundos de quarto, da ignorância cultural e digital? Vamos por partes
O Governo do Estado de Minas Gerais possui um dos maiores, o segundo em termos de tempo de funcionamento no Brasil,estabelecimento chamado INSTITUTO SÃO RAFAEL com toda a infraestrutura já pronta, inclusive com profissionais de alto gabarito para abrigar um enorme contingente de cegos de todo o Estado para educação o e inclusão em TERMOS DE ESTUDOS ESPECÍFICLS , lazer, aprendizado , além de várias opções de outros afazeres como música, dança, coral, rotina de atividades diárias e outros.
Até pouco tempo, lá havia regime de internato.
Então,por quê não reabilitar esta grandiosa Instituição para atender a tantos mineiros largados à própria sorte?
Convênios com Prefeituras e até mesmo com o Ministério da Educação poderiam reativar o Instituto São Rafael em sua total amplitude e disponibilidade, reconhecido em Minas e em todo o Brasil como referência no trato com a deficiência visual.
Alfabetizados, os deficientes teriam à sua disposição a excelente Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, na Praça da Liberdade, com espaços próprios para os deficientes e enorme gama de opções de estudos, pesquisas e diversões ligadas à biblioteca.
Em relação à inclusão pela informática, o próprio governo do Estado possui a UTRAMIG situada na Av Afonso Pena em BH. Neste instituto existe uma estrutura muito boa e professores especialistas, também cegos, capazes de instruir os alunos deficientes no manejo com computador em suas diversas vertentes, inclusive acesso à internet e redes sociais.
A interação entre alunos cegos traz também outros conhecimentos e nivelamento de interesses, mostrando o outro mundo até então escondido ou posto longe de seu alcance.
Manuseio de celulares, contato com outras mídias e redes sociais, novos amigos e parceiros, tudo isso poderá ser conseguido com pouco esforço.
As cidades circunvizinhas de Belo Horizonte, num raio de até 100 Km poderiam ser beneficiadas com a estrutura dos três estabelecimentos citados.
O Instituto São Rafael possui professores gabaritados para alfabetização em braile e, a partir daí, toda a infraestrutura daquele estabelecimento seria utilizada.
Falta o quê? Boa vontade, contato, disponibilização de transporte.
Isso tudo, ao certo, ficaria mais barato do que manter um aluno com deficiências múltiplas dentro de sala de aula, demandando profissionais assistentes para atenderem a um reduzido, ínfimo número de alunos por classe.
O aproveitamento de alunos deficientes em sala de aula só de deficientes, educados por deficientes, tem, com certeza, maior aproveitamento.
O Instituto São Rafael também atende a alunos de outras deficiências que não os cegos.
Idêntica situação de aprendizado poderá ser considerada em relação ao ensino de informática na UTRAMIG.
Então, o que fazer para que nossos deficientes saiam de suas casas e conheçam a vida do outro lado da parede?
Primeiro, sabendo quantos são, onde estão, como sobrevivem, quais são
seus sonhos e aspirações.
Com certeza não sabem que existe outro mundo e formas de viver fora das paredes de suas casas.
Que eles podem ganhar asas e transpor
as janelas e portas de seus lares em busca de um mundo novo, repleto de
motivações para trilharem o caminho do pleno conhecimento.
Nesta caminhada também encontraremos cegos bem sucedidos, cultos, que
serão chamados a dividir o pão da sabedoria.
Feito o recenseamento da população cega e com outras deficiências, será elaborado um diagnóstico criterioso, sendo então proposto plano de ações e metas
definidos com foco exclusivo na inserção dos cegos e demais deficientes ao convívio social e profissional.
Além disso, ações voltadas para lazer e centros de
convivência, com possível interação com portadores de outras
deficiências.
O epílogo do projeto será a criação e implantação de um centro de
referência na cidade de Sete Lagoas que inclua, abrigando as necessidades de
cultura , lazer, orientação e encaminhamento para o trabalho.
Vagas para aproveitamento de portadores de deficiências no mercado de
trabalho existem, mesmo porquê esse direito é previsto em lei.
O que faltam são deficientes preparados para assumirem
tais vagas
Resumo do projeto:
1 Organizar um recenseamento local ou outra forma de estatística que nos informe sobre a quantidade e realidade dos cegos e de outras deficiências;
2 A partir dessa realidade, fazer convênio com as instituições de ensino referenciadas ou outras que forem disponibilizadas pelo governo eo Estado, para atendimento das demandas;
3 Providenciar transporte e alimentação para os alunos. O Instituto São Rafael possui grande área de lanches e estrutura para atendimento de grande contingente de alunos. Então, MÃOS À OBRA!
O futuro, o Centro de Convivência Municipal para Deficientes será a cereja do bolo!
O Objetivo é, quem sabe, trazer o Patrick para nosso lado e que ele, nas suas peraltices, nos ajude a sermos mais felizes e inclusos.

Sete Lagoas, 22 de agosto de 2016.

Eloísio Santiago de Souza

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Inspiração

Visão sobre a realidade dos cegos em Sete Lagoas/MG

Sobre a obra

Apresento soluções para inclusão de cegos, principalmente na fase infantil.

Sobre o autor

Desde a juventude escrevi bastante. Poemas e crônicas.

Autor(a): ELOISIO SANTIAGO DE SOUZA ()

APCEF/MG