Talentos

Vovó esqueceu meu nome

VOVÓ ESQUECEU MEU NOME
I
Quando nasci, sai da maternidade parecendo um esquimó,
cheio de afeto direto para a casa da Vovó.
E vejam só!
Lá descobri que mesmo ela não levando varinha de condão
e nem fazendo poção no caldeirão, ela é uma assombração!
II
Vovó é tão mágica
que onde plantou meu umbigo brotou um pé de trigo,
pé que balanceia e até saracoteia
na vontade veludosa e velada do vento.
III
Quando caiu meu primeiro dente,
com sua magia potente,
Vovó o transformou em um precioso pingente.
É! Vovó sempre foi diferente, mesmo nós dois sem dente, ela era sorridente.
IV
Na hora da comida, com a Vovó tudo ganhava vida,
mesmo com a barriga pela fome abatida.
Que mordida!
A colher ora era trem, ora balão, e em dia de sopa virava um hidroavião.
Nas mãos da Vovó o repolho ganhava olho mesmo que caolho
e a batata virava uma gata ou uma feia barata.
V
Vovó me ensinou brincadeiras estranhas: pião, bilboquê e não sei mais o quê.
Eu ensinei a Vovó a jogar bafo, e só agora desabafo:
a dentadura voou na primeira assopradura
e de tanto rir engasguei e nas calças me borrei.
Agora ela é fera, mela de cuspe cada cartela.
VI
Ah! E o tricô, quando as agulhas de tricô ela largava
e as luvas de jogar futebol pegava...
Ah! Não tinha pra ninguém do ataque - Ela era craque!
VII
Quando tive sarampo, com remédio me pintou como um pirilampo.
E quando virei morada de piolho, a Velhinha adorada ficou de olho,
até que um por um catou e nos dedos os achatou.
VIII
As letrinhas para a Velhinha eram apenas borrões ou palavrões.
Até que comigo - O Neto - desenhou e decifrou o alfabeto.
Amiga do abecedário escreveu um diário.
Enfim aprendeu a ler historinhas para eu dormir que me faziam sorrir.
Com doçura me levou ao mundo da aventura pela literatura.
IX
Um dia, no lanche, como avalanche,
percebi que a mão da Vovó tremelicava,
e o café da xícara saltitava e no chão se esparramava.
Mesmo assim rimos e nos divertimos.
No outro dia, comigo estava arredia,
nem sabia onde residia até parecia que se despedia.
- Manhê, Vovó se esqueceu de mim! Ela não quer nem ver meu boletim.
X
O riso desapareceu sem aviso.
Com o tremor o lápis de cor da mão pulou ao chão;
a peça do quebra-cabeça ... ishi!, dela esqueça.
E a Vovó cada vez mais acabrunhada,
muito agasalhada e com a fala emaranhada.
XI
O futebol e até o cachecol foram deixados de lado.
Fui ficando desconsolado por não ser por ela adulado.
Agora minha Amiga antiga se desliga até na hora que mastiga.
Então um sono estranho foi se chegando e foi ficando e a Vovó embalando.
XII
E veio a sentença: – Uma doença!
Os adultos chamavam de alemão, pois era como um palavrão.
Às vezes ainda choro, mas logo melhoro
com minha lembrança de criança da Vovó na dança ou na balança,
até mesmo da dor de barriga da nossa comilança.
XIII
Tem dias em que apenas ficamos de mãos dadas olhando o nada,
em outros dias brincamos e até fazemos traquinada.
Quando pranteio, os brancos cabelos dela penteio em forma de trança
e ela, sem entender, volta a ser criança.
XIV
Vovó esqueceu meu nome,
mas nosso amor nem assim some.
Agora, não tem pra neto nenhum
pois Vovó só me chama de Número UM.

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Inspiração

A ideia para este poema veio da história entre minha mãe e meu filho, veio do amor de uma avó por seu neto. O poema retrata o momento em que a Vovó mágica cuida do Neto para que depois, com muito amor, o Neto passa a cuidar da Avó.É uma ode ao amor.

Sobre a obra

É uma poema de forma livre, com algumas rimas para dar cadência à leitura. Cada estrofe mostra um momento da vida entre Avó e Neto. Na construção do poema o que foi mais valorizado foi a narrativa da história, uma história nada ficcional.

Sobre o autor

Gosto de livros, de palavras e de ilustrações. Gosto de pessoas, suas histórias e sonhos. Gosto de escrever minhas esperanças e cotidiano. Minha vida na Caixa me ensinou muito e todo meu aprendizado se reflete nos meus textos e obras.

Autor(a): LILIAN DEISE DE ANDRADE GUINSKI ()

APCEF/PR