Berenice pouco dormiu naquela noite, pensando no projeto de sua vida. Berenice acredita que a vida é feita de projetos, alguns menores, fáceis de elaborar e executar e outros maiores, mais complexos, que pedem mais tempo, mais atenção e mais recursos. Ah! Os recursos, o ponto crítico capaz de derrubar qualquer projeto. Mas Berenice, mesmo sabendo das dificuldades, não desanimou deste projeto, particularmente deste, até então o mais importante de sua vida. Como primeira providência, ela precisou conquistar aliados, pessoas com visão que tivessem fé em seus objetivos. Mas como aliciar parceiros? Perguntou-se Nice. Como apaixoná-los por seus propósitos? Via de regra, ganhos pecuniários atraem a atenção dos candidatos. Este é um caminho de mão dupla, como o reflexo de um espelho, onde o objeto e a imagem se vêem iguais, com mesmos ganhos, mesmas responsabilidades e mesmas perdas. Perdas? Ninguém quer ouvir e muito menos realizar. Todos querem garantias, como num jogo onde só se ganha, o que descaracteriza o termo jogo. Então Berenice teve uma idéia para não perder o projeto de sua vida. Convenceu uma amiga muito bonita e disponível, repórter de um grande grupo de telecomunicações, que o poderoso líder da instituição desejava-a muito, há muito tempo. Arranjados os encontros sempre secretos, que o homem não queria problemas com a mídia, tudo rolava com perfeição. A amiga ganhava presentes caros e ela ganhava informações. Descobriu os personagens de uma trama de comparsas ilícitos do homem, além de contas irregulares no exterior e de mesadas em troca de favores. Surpreendeu-se com a facilidade com que conseguiu apoio financeiro já na primeira conversa recheada de uma sutil ameaça de delação, além de contar com votos de outros membros da instituição. Formou rapidamente uma equipe de assessores, todos capacitados, experientes e comprometidos com o projeto, ela acreditava. O texto foi meticulosamente trabalhado durante vários dias, nada foi esquecido, nenhum parágrafo entrou em contradição com tudo que se conhecia do assunto. Um tradutor, de altos honorários, interpretou textos traduzidos para que o espírito do teor não se alterasse. Claro que brechas foram propositalmente colocadas já que não se podia esquecer que os apoiadores teriam que ser regiamente recompensados e suas afiliadas também beneficiadas. Não fosse assim, o projeto da vida de Berenice não sairia do papel e nem deixaria de ser um sonho. Na noite anterior à votação, Berenice pouco dormiu. Isso se aquela sensação sonolenta pudesse chamar-se sono. Na mesa o relator leu o projeto, resultando numa variedade enorme de reações, desde risadas, constrangimentos, espantos, indignações e indiferenças. Num rápido discurso o presidente defendeu o projeto e passou à votação. Os que estavam comprometidos no esquema, aprovaram sem de manifestar. Outros, ao observarem o olhar severo do homem, titubearam, mas concluíram com um sim. Alguns poucos foram contrários, mas uma minoria insuficiente para evitar a aprovação. Berenice, que estivera congelada durante a reunião, ao perceber o resultado, derreteu. Esperou esvaziar o salão e foi ter com o homem para agradecer, mas ouviu como resposta que ela saberia como agradecer futuramente. Uma pontinha de arrependimento acendeu no profundo íntimo de Berenice, mas agora era tarde. O momento era de comemoração, já que o projeto de sua vida não era mais projeto, era fato. Ligou para a mãe e disse-lhe emocionada que tudo dera certo, que os conselhos que recebera dela haviam sidos valiosos e determinantes para o resultado, que ela arrumasse as malas que iriam comemorar na Europa, jantando em Roma, tudo por conta das verbas que logo chegariam a sua nova ONG “GATUNA - Grupo de Atenção ao Ufano Nacional”.