Talentos

Do adorno de cabeça ao escarlate nas ruas

Distante do centro de Fortaleza, após o perímetro urbano da metrópole, o residencial JW surgiu. Zé Walter, Joseph Walter, JW, alcunhas para o conjunto habitacional denominado José Walter, em homenagem a um ex-prefeito de Fortaleza.
Casas conjugadas, muros baixos, de igual edificação, quem aqui chegava se perdia, pela semelhança das residências. Com o passar dos anos, remodeladas à mercê de seus moradores.
Lendas marcam sua fundação. Conta-se que, como as casas eram iguais, ocorria de um morador entrar em domicílio alheio e se deparar com uma mulher que não era a sua.¹ Diz-se, ainda, que o bairro era distante, servido somente por uma linha de ônibus e as pessoas diziam: “Isso aqui é lugar pra corno.”² Conta-se, ainda, que seus primeiros mutuários abrigavam suas amantes e ao deixá-las, estas os contemplavam com pares de cornos. Ou ainda, e esta cremos ser a verdadeira, pela beleza da ala feminina.
De cidade dormitório a cidade comercial. De cidade pacata, em que o silêncio era rompido pela música alta que ecoava à meia parede e importunava o vizinho. Da criança brincando de bola na rua, que ao chutar caía no jardim alheio. Das comadres nas calçadas e das conversas. Das mercearias abertas aos clientes, onde estes faziam suas provisões e anotavam a dívida em caderneta para quitá-la em data posterior.
De suas escolas municipais, estaduais e particulares e seus professores respeitados em sua missão. Do Hospital Gonzaguinha, do CSU - Centro Social Urbano - palco de tantos eventos, reuniões de associação, berço de tantos artistas, uns que aqui ficaram para enobrecer o recanto, alguns que singraram para outros mares ou outra dimensão.
De bairro humilde cantado em versos, como:
“José Walter, cidade que me seduz
De dia falta água
De noite falta luz.”
Longe se vai o tempo em que o receio era o suposto adorno na cabeça de seus moradores. Assaltos, homicídios, latrocínios são uma constante. Muros altos, casas fechadas, cercas elétricas, população recolhida, apavorada. De bairro pitoresco ao contemporâneo bairro do temor. Das páginas de periódicos como bairro caricato, cultural, para as páginas policiais.
Angustiada, a população clama por paz e aguarda uma nova era, na qual sua história não mais seja escrita pelo escarlate que mancha suas ruas, suas praças e adjacências.

¹ Fama de bairro dos cornos – Fonte: O Povo nos bairros – 22/10/2012
² Fama de bairro dos cornos – Fonte: O Povo nos bairros – 22/10/2012

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Inspiração

Surgiu do folclore que permeia a fundação do bairro José Walter e a violência que hoje assola em suas ruas.

Sobre a obra

Como moradora, observadora, participante, por anos, de eventos na comunidade, acompanhei a evolução do bairro. De bairro caricato a bairro abatido pela violência.

Sobre o autor

Escrevo quando me sinto sensibilizada. Aspirante a cronista.
Como dito por Ernest Hemingway: "Não existem regras para escrever: Às vezes flui fácil e com perfeição; às vezes é como perfurar rochas, explodindo-as à força."

Autor(a): REGINA CARLA CAMPOS ()

APCEF/CE