Talentos

Timóteo

Timóteo era o último dos cinco irmãos. Como não se pode escolher o próprio nome, aceitou ser chamado assim. Nasceu sem parteira, como os outros, numa cama improvisada no barraco de quatro por quatro onde a família morava. Naquele dia, os meninos não tiveram escola e, como sempre acontecia nessas ocasiões, ele saiu com Dudu e mais três amigos, na direção do campinho improvisado, do outro lado da avenida.
Abriu os olhos e sentiu o sol encher-lhe as retinas de luz. Piscou uma, duas, três vezes para se acostumar com a intensa claridade. Olhou em volta e reconheceu a rua, viu Dudu, em pé, com as mãos nos joelhos, olhando-o com cara de espanto.
- Dudu? O que é que estou fazendo aqui, deitado no chão? Tá chorando, Dudu?
Tentou levantar a cabeça para entender o que havia acontecido e aí veio a dor. Doía cada osso do corpo, doía a cabeça – doía muito…
Um pequeno grupo de pessoas formou-se em torno dele. Além do Dudu, havia os vizinhos, os amigos do futebol no campinho, os pais dos amigos e todos olhavam-no consternados. Veio aos poucos a lembrança, terrível, assustadora, de quando eles atravessaram a avenida correndo e ele ficou para trás e não percebeu o carro que vinha. Foi tudo rápido demais.
E agora?
Deitado ali, vieram as memórias das aventuras na carroça, quando Dudu, o pai e ele saíam pela cidade em busca de papelão e material reciclável… como achavam coisas interessantes, garimpando o que os outros descartavam.
- Lembra Dudu? Uma vez achei um cobertor! Como era quentinho! E os sapatos então? Como brigávamos por eles! Até comida eu encontrava…
Quando não estavam na carroça, estavam no campinho, com suas traves de vara de eucalipto, a bola – que era qualquer bola – até de meia velha servia para os campeonatos de gol a gol. Ele sempre era o mais veloz. Depois que pegava a bola, era todo mundo correndo atrás e ninguém o alcançava na corrida.
- Não chora Dudu. Assim eu fico com medo... E essa dor que não passa tá me assustando…
Tentou levantar a cabeça mas não conseguiu. O corpo não obedecia – e veio o sono.
Fechou os olhos e ficou escuro, um escurinho gostoso e denso, como se uma coisa sei-lá-o-quê de tão doce estivesse acontecendo. A dor foi passando, passando e tudo ficou sereno…
Sem conter o copioso pranto, o menino pegou o corpinho inerte do cachorro e foi buscar uma pá, para enterrá-lo perto do campinho.

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Inspiração

A amizade entre o personagem título do trabalho e um menino. A intenção foi narrar uma história com um final surpreendente, e lembrar que nem toda a fantasia tem final feliz.

Sobre a obra

A intenção foi criar um plot twist, onde a narrativa cria uma ambiência que absorve o leitor para guinar em direção a um final surpreendente.

Sobre o autor

Fronteiriço de Santana do Livramento, leitor assíduo, apaixonado por crianças, cachorros, gatos, plantas e livros.

Autor(a): HELIO DA SILVA DOS SANTOS (Heliossantos)

APCEF/RS