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E se meu fusca falasse?

E se meu fusca falasse?

Jimmy se dizia apaixonado por fuscas. Toda manhã, ao sair para o trabalho, passava em frente a uma loja de carros usados e ficava namorando um fusca amarelo, que ele chamava saudosamente de “Fusquinha da saudade”. Entretanto, se dizer apaixonado, no fundo era exagero de Jimmy, já que paixão pressupõe loucura, insensatez e irracionalidade, sendo que no fundo, Jimmy sempre fora racional. Certa vez, inclusive, ele ligou para a loja e perguntou:
- Alô, por gentileza, poderias me informar o preço do Fusquinha da saudade amarelo?
Ele entendia a diferença entre preço e valor das coisas, por isso não perguntou “qual o valor”, pois o valor varia de acordo com a necessidade e, pela necessidade de Jimmy, aquele fusca teria um valor exorbitante. Então, perguntou qual era o preço que era a expressão quantitativa do valor, esperando, claro, que o vendedor não valorizasse tanto o veículo quanto ele.
O vendedor explicou que se tratava de um Fusca 1983, com válvula de aquecimento de partida a frio, freios a disco na dianteira, capela de refrigeração, câmaras de combustão, válvulas de escape maiores, além do cinto de segurança de 3 pontos. Mas Jimmy não estava muito interessado em detalhes técnicos, visto que não entendia muito de mecânica para um apaixonado por fuscas. Foi informado que o preço era dezoito mil reais.
Jimmy já possuía um veículo, modelo moderno, mas queria adquirir o fusca também. Todavia, apesar da estabilidade financeira, ele não possuía este valor e sabia que para adquirir seu fusquinha, ele teria que economizar por um tempo ou fazer um empréstimo.
Decidiu ir ao banco. Chegou logo pedindo senha de prioridade, apesar de possuir apenas trinta anos, pois considerava comprar aquele fusca sua prioridade. Senha de prioridade negada, pegou sua senha convencional e foi aguardar o atendimento.
Enquanto aguardava atendimento, imaginava-se andando pelas ruas da cidade no seu “Fusquinha da Saudade” com o som ligado, imerso numa atmosfera oitentista, escutando Livin’ On a Prayer, Take On Me, Take My Breath Away, ente outros clássicos daquela época, com sua jaqueta de couro, calça jeans, tênis Nike Air Force 1 e Ray Ban Wayfarer. Voltando logo à realidade ao ter seu pedido de empréstimo reprovado.
Seu sonho ficou cada vez mais distante, depois que alguns imprevistos o deixaram com pouco dinheiro para poupar. Mas como sonhador convicto, Jimmy não desistiria fácil, para ele a vida de um sonhador é sempre um final feliz. Decidiu então apostar na loteria, começou a apostar constantemente, mas sempre sem sucesso. Apesar disso, Jimmy, sempre otimista, considerava-se uma pessoa sortuda e estava convencido que qualquer má sorte na vida, ao longo prazo, será para o melhor. Pessoas sortudas não se prendem a sua má sorte, enxergam o lado positivo do azar.
Decidiu ir emprestar o dinheiro de seu amigo Gabriel, empresário de sucesso na cidade, com o qual havia estudado na faculdade. Chegando lá, Gabriel o recebeu convidando para tomar um café. Jimmy explicou sua situação e pediu dinheiro emprestado para Gabriel, prometendo que pagaria sua dívida em até um ano. Gabriel o olhou fixamente, tomou um gole de café e disse:
-Eu não empresto dinheiro. Emprestar dinheiro é uma ideia ruim, as pessoas não pagam e você acaba se ressentindo.
Jimmy baixou a cabeça, olhando para o chão com ar de tristeza.
-Contudo – continuou Gabriel - eu fiquei tocado com seu sonho de ter um fusca. Então... vamos lá na loja de carros que vou comprar o teu Fusquinha da saudade. Será um presente!
Jimmy não demonstrou orgulho e aceitou de imediato com os olhos marejados.
Chegando na loja, Jimmy era só alegria e emoção. Depois de meses sonhando, finalmente, conseguiria comprar seu Fusquinha da saudade. Entrou no fusca e saiu dirigindo para fazer o test drive, enquanto seu amigo Gabriel tratava dos papéis na loja.
Depois de trinta minutos, Jimmy retorna e, em seu semblante, havia um descontentamento. Gabriel, preocupado, perguntou se havia acontecido alguma coisa. Jimmy responde:
-Não aconteceu nada. Só que não era bem como eu imaginava.
-Como assim? Nunca havia dirigido um fusca antes? – perguntou Gabriel.
- Não, foi minha primeira vez. Ele não tem muita estabilidade, consome muito para os padrões atuais, desconfortável, barulhento. Enfim, não o quero mais. Mas te agradeço imensamente, Gabriel.
Gabriel, ficou até desconcertado. Mas, entendeu o amigo.
Hoje em dia, todo domingo, Gabriel entra em seu fusquinha e sai pela cidade ouvindo Michael Jackson, U2 e John Lennon. Nunca imaginava que um simples carro traria tantos sentimentos bons.
Às vezes, aquilo que mais desejamos, não é o que mais precisamos.

FIM

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Inspiração

A crônica é uma história baseada em um desejo próprio de possuir um fusca. Um modelo de carro singelo e que trás consigo toda uma história e faz lembrar muito as décadas de 70, 80 e 90.

Sobre a obra

É uma crônica narrativa, nascida da observação de acontecimentos cotidianos, com uma pitada de humor.

Sobre o autor

Sou um cara comum, que sempre gostou de escrever. Através da escrita eu pude me expressar melhor, mostrar sentimentos, sonhos, medos. Escrever é liberdade de uma realidade que às vezes é amarga. Escrever é mergulhar de cabeça na realidade contemplativa de viver.

Autor(a): GERIO COELHO BRAGA (Gério)

APCEF/AP