Talentos

A janela (crônica)

A janela

Os portões estão fechados! É impossível não lembrar da Orã de Camus. Hoje vemos o mundo pelas janelas das nossas casas, pelas “janelas” do Bill Gates e pelas janelas da TV que, por suas telas gigantes e nítidas, desfilam jornalistas, celebridades e outros confinados sem a produção visual costumeira. O Big brother planetário agora é outro.

As portas estão cerradas para dentro e para fora. Olhamos para rua em uma perspectiva que não é nova, mas estava em desuso. Talvez só os caipiras ou sertanejos dos rincões mantiveram o hábito de ver o tempo passar e a vida correr lá fora através das janelas. Pura sabedoria. Os cidadãos das metrópoles vão se resignar a ver o mundo assim, das suas janelas e varandas, até quando?

As portas estão lacradas para o mal não entrar. Bocas e narizes tapados, para o vírus não se espalhar. Fortunas em riscos, economia em falência e barrigas vazias para alimentar. É o mundo sitiado. A ciência nunca foi tão acompanhada, tão procurada, tão exposta e também tão ultrajada como agora, mas é a nossa maior esperança. Como seria bom dormir, viajar por uma janela de tempo e somente acordar depois de tudo isso passar!

Parece que isso faz-nos todos iguais, mas de fato não. Para alguns tudo não passa de conspirações, histeria; para outros é o fim do mundo. Para uns é transtorno e incômodo, para outros é paz é renascimento, já para muitos é o desespero é o caos. O que era desigual continua sendo e talvez perdurará, contudo antecipa uma certeza que está no inconsciente do indivíduo, mas que só é manifesta no coletivo diante de hecatombes: o medo do fim. Somente essa onda une a todos como iguais.

Ninguém sabe ao certo qual futuro teremos, mas todos sabem que não será o futuro que teríamos. Talvez quando os portões se reabrirem voltaremos a apreciar o mundo pela perspectiva da rua, de fora para dentro, entretanto jamais deveremos esquecer, de vez em quando, de olhar pela janela da nossa consciência.


São Paulo, 13/04/2020.

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Inspiração

É uma reflexão sobre esse momento de quarentena. Sobre as modificações que nossa vida sofreu e a incerteza se elas serão provisórias ou definitivas.

Sobre a obra

Não tenho um técnica específica. Os meus escritos são sobre o cotidiano ou situações que vivenciei. Quando acho um tema interessante nem sempre a ideia surge completa. Anoto tópicos que podem ser abordados e palavras chaves que vou associando ao tema. Finalmente escrevo rascunho, modifico e reviso várias vezes até considerar que está pronto.

Sobre o autor

Desde a infância leio sobre temas variados, especialmente romances policiais, crônicas e contos. Comecei a escrever ainda jovem sobre meus sentimentos e angústias, como "autoanálise". Depois passei a escrever crônicas sobre o cotidiano e poesias. Em 2017 publiquei alguns textos: "Fragmentos; memórias, cotidiano, invenções e versos dispersos".

Autor(a): MARCILIO AGUIAR FILHO (Marcílio Aguiar)

APCEF/SP