Talentos

Ao olhar da árvore

Ao olhar da árvore.
Esse texto fala sobre a liberdade e todas as emoções ligadas a ela. Ser livre compreende o deixar-se fluir, ressignificar os seus conceitos, permitir-se às dúvidas e sujeitar-se ao caminho e suas consequências, doando uma parte de si na caminhada sem se importar com o resultado da chegada.
A liberdade é como a estória de dois pássaros aprisionados em uma gaiola, onde o primeiro pássaro, o passarinho amarelo, adaptado a seus limites pré- estabelecidos havia se limitado ao contexto em que vivia e sentindo- se protegido com as grades que lhe cercavam, agradecido, cantava todas as manhãs. Esse passarinho sabia que gozava do privilégio do alimento diário sem muito esforço e não se questionava que sua sobrevivência dependia da mão que o alimentava.
Por outro lado, o segundo pássaro, o passarinho verde, criado da mesma maneira que o primeiro, sentia- se infeliz e tendo sua gaiola aberta, vislumbrando um horizonte de possibilidades, olhou para si e para os pássaros que voavam livres na natureza e percebeu asas que nunca voaram e bico que nunca explorara toda a diversidade de sabores e texturas a que os outros haviam provado. Porém ao estender suas asas, ele parou. Havia um medo perturbador de não conseguir voar.
Neste momento surgem dúvidas e questionamentos sobre a razão do óbvio: pode um pássaro não saber voar? Pode uma asa feita anatomicamente para o voo não servir ao propósito de sua criação? A resposta provavelmente seria , claro que ele pode voar, ele foi criado para isso.
Todavia e se a pergunta fosse diferente: pode um pássaro feito com o propósito de voar, dotado de todas as faculdades que lhe permitisse faze-lo simplesmente não querer. Dizer não ao princípio de sua criação e recusar o que os outros chamam de liberdade?
Quando a gaiola do passarinho amarelo abriu este se recolheu para o fundo de sua gaiola e esperou com aflição o momento em que iriam perceber o erro e fechariam a gaiola para que ele por fim pudesse sentir-se seguro novamente. Pois ele sabia que possuía asas como os outros pássaros, assim como tinha plena convicção de que não pertencia ao ambiente deles. A sua liberdade não dependia de um voo e para sentir-se pássaro não precisava ser como todos os outros. Sentia- se livre dentro daquela gaiola segura, pois provara da liberdade de sentir- se em paz com as suas escolhas. Ele adorava a vista da janela em que ficava, até conhecia a rotina dos outros pássaros que vez ou outra lhe visitavam. Mas, jamais se imaginava sobrevivendo na natureza.
Já o passarinho verde, passado o momento de euforia e adrenalina do medo do primeiro voo, poucos segundos após a sua gaiola ser aberta já estava de asas estendidas pronto para experimentar dessa liberdade.
Por fim,o passarinho verde alçou voo para uma árvore próxima e no caminho pode finalmente sentir o vento em suas penas e provando aquela sensação de plenitude percebeu-se parte de um todo, como se seu voo tivesse completado todas as dimensões do seu ser e ele sentia que finalmente pertencia.
É importante refletir sobre o pertencer, que se for compreendido de forma mais profunda é repleto de significados e impregnado pela libertação do processo de escolha.
Porém, o pertencer também pode aprisionar, se for obediente e mecânico, e não for questionado. Pois se você pertence cegamente e ao se questionar o resultado gera mais dúvidas e insatisfações, então você está pertencendo na contramão da liberdade.
Na estória dos dois pássaros, ambos eram feitos da mesma matéria, estavam no mesmo ponto de partida e mesmo com escolhas diferentes ambos se pertenciam: sabiam suas vontades e suas limitações. Todavia, cada um deles só conseguiria compreender a sua própria escolha.
Deste modo o passarinho amarelo indignado com a escolha do passarinho verde não entendia a falta de gratidão pelo alimento diário, pela segurança fornecida pela gaiola, o amor ao seu dono e o carinho recebido. Como o outro resolveu se arriscar, abandonar a tudo e seguir para o incerto?
Enquanto isso o passarinho verde ao olhar da árvore em direção aquela gaiola sentia pena do pobre passarinho amarelo trancado nela, pois sabia que jamais aquelas asas atrofiadas sentiriam a liberdade do vento ao plainar em pleno voo, o passarinho aprisionado, na visão dele, jamais seria dono do seu destino e tão pouco contemplaria o pôr do sol do alto daquela árvore e a visão do horizonte infinito.
Entretanto como julgar qual a escolha correta se ambos fizeram a melhor escolha dadas as condições de cada um. A razão pode não pertencer a apenas um deles e não deve ser tida como uma natureza absoluta visto a instabilidade dos acontecimentos que cercam nossa vida.
Sabemos que a liberdade não é uma escolha fixa, não é um caminho certo e é mais sobre apreciar a caminhada e saber que podemos negar tudo em que acreditávamos para, a qualquer momento se necessário, acreditar em tudo outra vez.
A liberdade é manter a porta da gaiola aberta e saber que você pode escolher a cada momento entre querer ficar ou partir.
Mas acima de tudo é saber que existe mais que a sua opinião e que a diversidade de escolhas nos faz únicos e respeitar a individualidade é o que nos transforma em seres completos e dá sentido a nossa existência.

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Inspiração

Meus passarinhos. Em determinado momento a gaiola abriu e um só voou, o que saiu sempre cantava da árvore próxima e voava perto durante os primeiros dias. Após um tempo eu observei uma atrofia na asa do pássaro que ficou, talvez o motivo para ele não ter voado.

Sobre a obra

O texto fala sobre a liberdade de escolha e o processo de renovação e ressignificação da nossa vontade. Também nos faz refletir sobre a diversidade de razões e transitoriedade das situações. Principalmente sobre a necessidade de respeitar a nossa opinião e a dos demais e não imprimir uma verdade única e absoluta sobre todos.

Sobre o autor

Eu escrevo, descobri. E uso essa ferramenta como um sexto sentido para me conectar as emoções, através da escrita eu tento traduzi-las.

Autor(a): VANESSA MARIA BORGES DA SILVA ARAUJO (Vanessa Borges)

APCEF/AC