Talentos

O Pequeno Kamé

Sentado no colo de seu pai, embaixo da sombra da grande Araucária, aquelas mãozinhas pequeninas, num movimento lento, porém preciso, imprimiu pressão com os polegares lentamente sobre uma fruta, colhida nos arredores, de forma a separá-la em duas metades iguais. Olhou alegremente para o seu pai, que sorriu ao ouvi-lo dizer:
• Olha pai, consegui cortar a fruta ao meio. Um pedaço para o senhor e outra para mim.
Condá, seu pai, aceitou a metade e a ergueu em direção à copa da grande árvore num gesto de reverência e agradecimento pelo pequeno Kamé. O menino sabia que tinha de ficar em silêncio e repetir o gesto de seu pai porque a natureza fornecia os bons frutos e a eles cabia agradecê-los, pois a terra sustentou sua tribo desde os tempos remotos..
Não podia haver maior sinal de acolhimento para Kamé que ficar sentado no colo de Condé ouvindo histórias dos antepassados enquanto as outras crianças, infelizmente, não se interessavam mais pelos grandes heróis de seu povo. O pequenino não ousava interromper as encenações das histórias de guerra contados pelo seu pai; de quando seus antepassados lutaram bravamente contra os inimigos que invadiam suas terras. Seus olhos mal piscavam quando Condé pegou o sagrado Urúgurú, uma lança feita de uma madeira muito forte, e a lançou com toda sua força em direção ao tronco de uma bananeira; a lança atravessou sem nenhum esforço. Era o inimigo sendo derrotado pelo grande herói Kaingang. O menino sentia algo muito forte em seu coração; era o sentimento de um dia querer ser um grande herói.
Kamé crescia, A natureza lhe era favorável. A cada dança entre o sol e a lua o pequenino deixava para trás a fragilidade de uma criança e se tornava um homem forte. Bastaram quinze vezes em que a grande Araucária produziu seu fruto e o menino foi apresentado nos jogos de guerra da tribo. Suas pinturas eram formadas por traços finos e vermelhos que percorriam seu corpo imponente. Seus adversários eram homens de grande força, dessa forma, seus olhos não se desviavam das mãos de seus inimigos. Aprendeu a se concentrar, observando a poderosa Ming, a onça que não perdia nenhuma caça se quer; media cada passo e atitude de seus adversários. Esperava o momento certo de dar o golpe. Um a um foi pondo ao chão, do mais fraco ao mais forte. Seus pés pareciam dois frondosos troncos de Ipê com suas raízes profundas que davam a ela a força necessária para resistir aos duros golpes que também levava. Movía-se lentamente, confundia assim seus oponentes que queriam vê-lo logo atirado ao chão. Kamé sabia, assim como a cobra venenosa, que não importa o tamanho ou a força de sua presa, que ela seria abatida se soubesse esperar a hora certa. Restava apenas Kanhér, um índio esperto; era chamado assim porque seus movimentos imitavam os de um macaco. A grande Araucária não produziu menos que 5 vezes sem que o grande Kanhér tivesse ganhado todas as batalhas.
Kamé não pensava em outra coisa, não tinha medo, seus olhos abrasavam como a fogueira na noite fria e seus braços eram duros como as pedras do riacho. Tinha certeza que aguentaria a violência dos ataques de Kanhér.
Todos estavam atentos à luta e de repente, mais rápido do que a fuga de um coelho, assim veio o ataque; num salto bem planejado desferiu um golpe que quase acertou Kamé, este, sabendo das intenções do outro, arqueou seu corpo de forma a que o golpe passasse sem o acertar e num movimento bem calculado agarrou o braço de Kanhér desequilibrando-o enquanto este estava no ar e com o outro punho acertou em cheio o peito do guerreiro, que sem se dar conta caiu de costas na terra sem ter como se defender. Logo, Kanhér reconheceu a vitória de Kamé e se prostrou em submissão ao vencedor.
A tribo gritava o nome de Kamé com grande alegria. Sabiam que ele seria um grande líder. Achavam que dentro dele percorria o sangue dos grandes heróis do passado.
Condá, seu pai, voltando para casa abraçado com Kamé, sabia que aquele dia era a confirmação dos sonhos que teve deitado à beira da fogueira nas noites em que deixava a aldeia para trás e ia meditar sozinho, pedindo ao grande ancestral que revelasse a ele o destino de sua tribo e o porquê de ter sonhado com seu filho Kamé ganhando uma batalha travada diante de toda a tribo e diante dos espíritos dos ancestrais mesmo antes de ele ter nascido.

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Inspiração

Paixão pela cultura Caingangue (tribo indígena no Sul e parte do Sudeste do Brasil).

Sobre a obra

O conto infanto juvenil com elementos da cultura caingangue, desde vocabulário e elementos da mitologia , com ressalva a poucos elementos imaginários na mente do escritor, como por exemplo, a dança entre sol e lua (dias) e a produção da araucária (anos), entre outros elementos.

Sobre o autor

Formação acadêmica na área das Letras Vernáculas.

Autor(a): OZIAS FREZ BOCKORNY (oziasfrez)

APCEF/PR