Talentos

Contenda

Contenda

A espontaneidade não é uma característica das armas. Elas costumam ser silenciosas e, das bocas escuras de seus canos, vez por outra saem línguas de fogo, seguidas de pequenos trovões que invariavelmente prenunciam as tragédias.
Os homens estavam postados a cerca de oito metros um do outro, olhavam-se fixamente até que, a um comando de voz, acionaram os gatilhos. Um deles tombou, e o que permaneceu em pé ergueu levemente as comissuras labiais esboçando um sorriso. Sentiu a dor no braço e então percebeu um filamento de sangue logo abaixo do ombro. Nada grave, por certo.
Observando a partir de um ponto equidistante dos dois, os padrinhos, que acompanhavam a contenda, para garantir a justeza do confronto e declarar formalmente o vencedor, aproximaram-se cercados de um silêncio solene do corpo inerte e constataram o quão preciso foi o disparo, que fez um buraco no tecido da camisa, logo abaixo do mamilo esquerdo, de onde o sangue jorrava em profusão.
Ao vencedor caberia a honra de desposar a filha do conde, dono de impensáveis extensões de terra e de olivais que chegavam até o ponto onde o sol se põe, às margens do rio Minho. A moça, por suas virtudes e beleza, despertava paixões entre os frequentadores dos salões do início do século XX. E foi num desses bailes que os dois jovens, ao disputarem uma valsa, entraram em luta corporal, que resultou no desafio para o duelo.
Mal havia se dado o embate, quando ouviram o tropel desabalado de um cavaleiro que vinha pela estradinha sinuosa que leva ao Solar de Mouros. Esbarrou o cavalo, saltou e, ante a cena de morte, sem esconder o desapontamento por não ter evitado a tragédia, revelou a todos que a filha do conde partira na noite anterior em um navio que tinha as terras brasileiras como destino.
Carolina havia partido acompanhada de um Serapião de tal, filho de um empregado das lavouras do conde.
Guardadas em seus estojos, as armas mantinham seu silêncio peculiar, sem discutir a nobreza ou a justiça, mas prontas para anunciar tragédias quando acionadas.

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Inspiração

Uma história contada por gente antiga, sobre um duelo por causa de uma mulher, ocorrido em Portugal.

Sobre a obra

Usei a narrativa, em um cenário que desconheço, mas que busquei um mapa para criar o ambiente.

Sobre o autor

Sou fronteiriço, de Santana do Livramento e fui criado à beira de um fogão a lenha ouvindo, nas noites de inverno, as histórias que meu pai contava.

Autor(a): HELIO DA SILVA DOS SANTOS (Sol em Palomas)

APCEF/RS