Talentos

Cenário

Cenário

A tarde de maio guardava em si um pouco da tepidez do verão recente. Sob o azul do céu, rasgos de nuvens brancas traçavam borrões, como se um misterioso pincel pintasse matizes mágicos, que se desfaziam com o sopro do vento.
O pasto, verde pela chuva generosa que caíra na semana anterior, oferecia-se aos animais que por ali pastavam serenos. Um cavalo relincha ao longe e, como que comemorando, desanda em um galope pelo potreiro, para esbarrar a alguns metros da antiga cerca de pedra.
No pequeno rancho que serve de posto da estância grande, o homem não presta atenção no cenário, envolvido com as lidas que precisa terminar antes do cair da noite. Arruma a pilha de lenha recém cortada e recolhe os cordeiros para o aconchego do galpão, para evitar que padeçam com o frio. As galinhas se acomodam nos poleiros e, no alto do eucalipto, as caturras gargalham e conversam sua tagarelice habitual.
O sol descamba lentamente, projetando traços avermelhados no horizonte e as sombras das coisas se tornam mais compridas. Um Tachã solitário grita perto do banhado e alça voo, em busca de abrigo na copa das árvores do capão de mato.
A escuridão suplanta o dia e o brilho do fogo de chão, única fonte de luz na casa velha, projeta clarões tremeluzentes na parede de pedra. Sentado no pequeno cepo de três pernas, o peão ajeita a cambona para aquecer a água do mate de fim de tarde. Acomoda a erva na cuia, moldando com a mão uma cova, onde coloca a bomba.
Os mates solitários são sua rotina, assim como cozinhar e cuidar do posto. No meio da tropa de pensamentos que invadem sua mente, surgem a mulher e os filhos. Conta nos dedos os dias que faltam para a folga e, em uma estranha parceria com um mosquito tardio que teima em zumbir, assovia uma velha mazurca que aprendeu com o pai, de quem herdou a pobreza e a vida de peão posteiro.

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Inspiração

O pampa se estende a perder de vista e, nesse cenário de latifúndios, era comum a existência de postos avançados, onde peões permaneciam, fazendo ronda e cuidando do gado.

Sobre a obra

Usei a técnica da narrativa em um pequeno conto, relatando o ambiente onde o peão campeiro exerce suas atividades.

Sobre o autor

Nasci na fronteira e lembro, desde sempre, a figura do meu pai, sentado perto do fogão a lenha, depois do trabalho, enchendo o mate com a chaleira de ferro, que chiava com o calor da chapa.
Ali ele me contava histórias de casa velhas, de assombração e de tempos imemoriais.

Autor(a): HELIO DA SILVA DOS SANTOS (Sol em Palomas)

APCEF/RS