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METEORO

METEORO

Partiu para mais uma das incontáveis missões da mesma natureza que já tinha cumprido em vida. Designado pelo Conselho Superior do Universo para fazer valer as decisões ali tomadas, deveria pilotar o meteoro até o próximo planeta escolhido para extinção. Quando alcançasse a distância segura e a garantia do sucesso da missão, o bólido que traria de volta o piloto se separaria e o meteoro se espatifaria sobre o planeta deixando somente rastros de sua existência. O Conselho, em sua inquestionável sabedoria, nunca errara nas suas escolhas. Seus membros debruçavam-se pelo tempo necessário sobre todas as informações referentes ao planeta da vez. Já haviam estudado todos os motivos, agravantes e atenuantes sobre a Terra e concluíram que não havia mais salvação, era chegada a vez do extermínio. Apenas o piloto, que também integrava o Conselho, alimentava dúvidas sobre a decisão, mas fora voto vencido. Como toda a viagem de ida demoraria algumas dezenas de dias do calendário universal, naquela missão solitária o piloto sempre se dedicava a conhecer melhor o alvo, mas apenas para alívio de sua consciência. Afinal, ser o responsável pelo ato derradeiro que colocaria fim em toda uma biodiversidade, pessoas, famílias, culturas e história era uma missão que exigia confirmar a justeza dela.
O meteoro era de última geração. Projetado para cumprir sem erro sua tarefa, considerando o tamanho e resistência do alvo e garantindo que só restasse poeira após o choque, era dividido em dois estágios: o maior era a massa sólida e explosiva que se chocaria com o planeta e o menor era a nave de retorno que continha absoluto conforto para a estada do piloto e a mais avançada tecnologia. Telas e mecanismos acionados pela voz forneciam toda a informação que o piloto desejasse, entretenimento, alimentos, bebidas, e um piloto automático dispensava qualquer esforço braçal. Mas não haviam, ainda, desenvolvido a parafernália de forma que dispensasse totalmente a atuação de alguém em carne e osso. E enquanto durava a viagem o homem solitário se dedicaria ao estudo mais aprofundado sobre a Terra, na expectativa de encontrar uma motivação que justificasse abortar a missão. Porém, havia a exigência de registros de suas observações e conclusões em um diário de bordo que, instantaneamente, era lido pelos membros do Conselho. Essa concessão só lhe foi dada em razão da decisão não ter sido unânime, como fora em todos os casos anteriores. E também porque, quanto mais se aproximasse do alvo, os sensores da máquina captariam com mais autenticidade vibrações e energias que poderiam trazer informação nova, principalmente em relação à evolução do comportamento dos habitantes do planeta.
O calendário universal não guarda uma relação compreensível aos dias planetários, seja pela variação entre os próprios planetas, pelo avanço tecnológico que permitia passar pelo tempo em dobras ou pela dimensão um tanto menos material do espaço habitado pelo Conselho e, consequentemente, de seu calendário. Mas, se possível fosse estabelecer essa relação, o tempo compreendido entre a partida e a conclusão da missão corresponderia a alguns anos do calendário terrestre. O piloto poderia, então, observar comportamentos e fatos que agravariam ou atenuariam a decisão, mas a verdade é que nunca o Conselho voltara atrás em sua decisão. E os registros do diário de bordo pareciam cada vez mais desanimadores: conflitos e guerras se multiplicavam, o extermínio de seres indefesos era constante e justificado por uma insana “razão econômica”, devastavam-se os espaços naturais que abrigavam tudo o que vivia na Terra enquanto naves primitivas eram lançadas ao espaço em busca do que os terráqueos chamavam de vida inteligente. A maior aberração, e que resultou em magistral peso na decisão que o Conselho havia tomado antes da partida do meteoro, era a incompreensível destruição que promoviam entre si os seres da única espécie a quem fora dada alguma forma de inteligência. Fosse pelo ódio, ou pela intolerância às diferentes formas de pensar e viver, por pura negação a conhecimentos já consolidados ou simplesmente por ganância, nem crianças eram poupadas. E o horror dos horrores: pessoas eram cada vez mais deixadas à miséria, desprezadas em suas doenças, desprovidas de seus direitos mais básicos e até de fome se morria. O piloto então se convenceu de que deveria concluir sua missão, e quando viu milhões de crianças morrendo desnutridas fez seu último registro no diário de bordo. Faltavam dois dias terrestres para desacoplar a nave e permitir que o meteoro cumprisse seu destino.
O piloto, então, resolveu que era hora de se dedicar ao tradicional ritual e pediu à máquina que lhe preparasse as melhores refeições produzidas no planeta condenado à extinção. Em nada isso fazia parte da missão, era apenas para que ele fizesse um registro histórico desses costumes e, melhor ainda, desfrutasse de sabores que iam além das experiências tão equilibradas quanto sintetizadas da produção de comida em máquinas. Para o almoço pediu deliciosos pratos da comida oriental, ao entardecer do calendário terrestre degustou croissants e bebidas europeias e no jantar se deliciou com pratos mediterrâneos. No desjejum do dia seguinte fez um pedido à máquina que ela demorou um pouco a compreender, mas como nada escapa a um nível de inteligência tão avançada, em poucos minutos o prato estava servido. Após terminar sua experiência gastronômica ele desligou o piloto automático e conduziu, manualmente, uma brusca manobra de retorno à base, com meteoro acoplado e sem sequer consultar aos membros do Conselho. Mas não lhe parecia mais possível exterminar um planeta em que aquela iguaria era produzida. É desconhecido o desfecho de seu retorno e as deliberações resultantes. Mas foi assim que o planeta Terra acabou salvo pelo pão de queijo!

FIM


PÓS FIM: Não há final feliz possível; nem infeliz que não se possa reverter enquanto houver esperança e humor.
PÓS FIM 2: Desde já fica autorizada a substituição da receita da salvação por outra que melhor agrade ao paladar do leitor, desde que só em imaginação...

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Inspiração

DA JUNÇÃO DA LEITURA DE MATÉRIAS SOBRE ASTRONOMIA COM A CONSTANTE OBERVAÇÃO DA REALIDADE DE NOSSOS TEMPOS SURGIU ESSE CONTO

Sobre a obra

NÃO ME ATENHO A TÉCNICAS PARA ESCREVER, A NÃO SER ÀQUELAS APREENDIDAS NATURALMENTE A PARTIR DA LEITURA DE OUTROS AUTORES E TÉCNICAS POSTERIORES DE REVISÃO.

Sobre o autor

ME DEDICO À ARTE DESDE SEMPRE, SEJA COMO CONSUMIDOR OU PRODUZINDO CONTOS, CRÔNICAS, POESIAS E CANÇÕES.

Autor(a): ANTONIO CARLOS DE OLIVEIRA (CACÁ OLIVEIRA)

APCEF/MG