Talentos

Muito além das Bodas de Ouro

Este ano eu e minha esposa comemoramos Bodas de Prata de casamento. Sinto que vivemos uma vida juntos. Porém , quando vejo meus Pais, sinto que viveram várias vidas juntos. Estão unidos há impressionantes 64 anos, Bodas de Fabulita. A pedra foi bem escolhida para representar esse período de tempo, pois tem como características: raridade, beleza e durabilidade.

O início de sua união foi em 1958, e já disseram que esse é o ano que não deveria haver terminado. Bem, não faltam razões para isso. O capitão Belini levantou a Taça do Mundo Jules Rimet pela primeira vez. João Gilberto, com maestria, tocou no violão os últimos acordes de “Chega de Saudade” e lançou o disco 78 rotações que fundou a bossa-nova. O DKW-Vemag saiu às ruas com incríveis 50% das peças fabricadas pela indústria nacional. O Rio de Janeiro era a capital do país, em plena efervescência cultural e econômica. Porém, mais importante que tudo isso para mim, sem a menor dúvida, foi eles dizerem o “sim” no altar.

O matrimônio é um evento bastante badalado em nossa cultura. Está certo em ser bem comemorado, mas Bodas de Fabulita deveriam ser dignas de registro público, principalmente nos dias atuais, onde as relações humanas são cada vez mais efêmeras. Afinal, casar é relativamente fácil, e constatamos isso perante o grande número de matrimônios civis anualmente. Porém, manter-se casado e enamorado, por mais de 60 anos, definitivamente não é para qualquer um. Requer não apenas simplesmente amor, mas amor em toda sua complexidade. Requer muita sabedoria, daquelas que não se aprendem na escola, mas obtidas do âmago do ser. Necessita a mistura de cabeça e coração, razão e sensibilidade – o tempo todo, num coquetel para o qual não há receita pronta para seu perfeito equilíbrio, e cujo sabor apenas poucos o conhecem.

Eu poderia fazer um retrospecto da vida de meus pais. Mas, por mais breve que fosse, contar 64 anos iria transformar uma crônica em uma história com alguns volumes. Então, nada mais justo que eu peça ao Universo inspiração para expressar em breves palavras – um pouco que seja – o que é ser fruto de uma união tão longa.

Quando os beijo, percebo que se, por um lado, tanta coisa aconteceu, em verdade nada mudou. Eu e meus irmãos ainda somos malcriados, crianças por vezes levadas ou “aborrecentes” desafiadores que eles tão amorosamente e pacientemente ninaram e orientaram. Deram-nos a vida e nos ensinaram a vivê-la com dignidade; iluminaram os nossos caminhos obscuros com afeto e dedicação para que os trilhássemos sem medo e cheio de esperanças; doaram-se inteiros e renunciaram aos seus sonhos para que, muitas vezes, pudéssemos realizar os nossos.

Aos meus pais, por natureza, opção e amor, nada significa dizer que não tenho palavras para agradecer. Porém, basta uma visita semanal, quando sempre perguntam se estou me alimentando bem, para lhes manter o sentimento de protetores. Assim é a vida. Com o tempo, ou talvez quando percebemos que já não somos mais imortais, entendemos o valor que mínimos gestos possam representar. Em nossa rotina diária, esquecemos que o amanhã pode não acontecer nos preocupando com o que ainda não existe. Desperdiçamos o tempo lamentando por algo que houve no passado e que não pode ser mudado, deixando de valorizar o aqui e agora. Algo tão simples e elementar, mas que só aprendemos com a velhice. As prioridades materiais perdem importância, para dar lugar às afetivas. É a satisfação de poder repetir a frase “Deus te abençoe”.

Espero ter que pesquisar as bodas no próximo ano, e no outro também. Se não for pedir muito, por mais alguns anos. Mas até que se realizem as próximas, as Bodas de Fabulita são as mais importantes e merecedoras de todos os aplausos.

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Inspiração

Eu quis fazer uma homenagem aos meus Pais. Estão casados há 64 anos.

Sobre a obra

Apenas escrevi aquilo que sinto todas as vezes que vou visitá-los.

Sobre o autor

Não tenho técnicas de redação, nem me considero com talento para a escrita. Procuro de alguma forma colocar no papel as coisas sobre as quais eu medito, que penso e sinto.

Autor(a): GILBERTO NEVES BATISTA (Gilberto)

APCEF/RJ