Talentos

E a cinta comeu

E a cinta comeu

Pensa em algo que muito deseja e aos olhos está muito distante o alcance... como uma mágica naquela tarde cinzenta aconteceu....
Então sem mais delongas... aconteceu em meados de 1971, tinha 11 anos. Eu era uma mocinha, mas muito diferente das meninas de hoje. Não tínhamos TV, muito menos celular ou vídeo games... mas tínhamos a rua... cheio de crianças! Brincávamos de bola, bet, bandeirinha, queimada... passava os anéis entre as mãos e de olhos vedados escolhia " uva, pera ou maçã?" Cantorias, qual é a música? Tudo simples, mas pura felicidade!
Agora tinha um detalhe, não tínhamos medo da violência... o medo era do cinto, da vara, do fio de ferro e tudo que mamãe encontrava para usar no momento que nós a contrariávamos...e olha que a contrariedade era quase um ritual (rs).
Éramos quatro irmãos e como era eu a mais velha sempre eleita a mais responsável, então a cobrança era em dobro.
Mamãe falou: - Vera Lúcia me ajude com seus irmãos, tomem banho e aprontem que vamos visitar a tia de vocês. Pensei: - Oba!! Vamos beber refrigerante! Titia sempre tinha em sua geladeira muita Tubaína, um guaraná da época, muito desejado.
Enquanto mamãe aprontava, ficamos no alpendre, eu e meus irmãos, limpinhos esperando a hora do passeio. Eu e meu vestido de chitinha, de corpete com cintura franzida, todo amarelinho.
De repente, aconteceu...
A minha rua era uma descida e nossa casa ficava mais no alto. A rua era bem larga, sem asfalto, no cascalho, parecia um preparo para a base de um futuro asfalto. Chegaram os garotos, apelidados por “moleques”. Eles tinham vários carrinhos de rolimã...um sonho... meus olhos brilhavam quando via um...olhei para um dos meninos bem magrinho e pedi: - deixa dar uma voltinha? Ele nem deu confiança...mas um outro moleque veio e me chamou: - vem cá e vai com o meu!
Eu nem acreditei! Pensei que talvez não seria a hora certa, mas era tanta a vontade, que eu pensei.... “A descida é tão rápida e talvez nunca mais teria outra oportunidade dessa”. Peguei logo o carrinho... meus irmãos ficaram só olhando...e eu sentei naquela tábua, que tinha uma rodinha na frente e duas atrás. Os pés ficavam apoiados em duas pequenas tábuas que controlava a direção. Peguei a saia do vestidinho e firmei entre as pernas e me empurraram morro abaixo... Nãooo....vocês não conseguem imaginar a sensação maravilhosa que senti naqueles poucos minutos! O vento batia no meu rosto... aquele barulho forte das rodinhas nas pedras do cascalho dava uma sensação de que a velocidade era ainda maior... Até que algo aconteceu... minha saia enrolou em uma das rodinhas traseira...e lá se foi a sainha... virou uma tira de tecido. E eu na rua só de calcinha com a blusinha.
Mamãe lá em cima gritava: - Veeeeraaa Luuuuciia!! " Mamãe contrariou... O cinto comeu!!!
Jamais vou esquecer aquela sensação deliciosa de liberdade, pura adrenalina. Nunca deixe de aproveitar uma oportunidade de realizar um sonho...mesmo debaixo da cinta...(rs)

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Inspiração

Memórias de infância. são tantas boas memórias que enchem o coração de alegria e um sentimento de saudade daquela felicidade repleta de ingênuidade. Uma sensação quase misteriosa de uma liberdade , respeito e obediência pouca conhecida hoje pelas crianças.

Sobre a obra

Técnicas simples com sentimento ao relatar uma experiência da infância.

Sobre o autor

Vera Lúcia Barbosa Leão, empregada desde 1984. OTIMISTA!

Autor(a): VERA LUCIA BARBOSA LEAO (Vera Lúcia B. Leão)

APCEF/GO