Talentos

Três Marias em nuvens de chumbo

Três Marias em nuvens de chumbo

I – Maria catadora das penas

Maria catadora das penas
Revira migalhas no arrebol
Verte saudades nos dias de sol
E traz recuerdos de noites serenas
Debulha rosários em uma novena
Maria envolve as penas urbanas
Mendiga migalhas de alma profana
Segue errante nas vias sem fim
Roga silêncios que não dizem sim
E embala rebentos na sina mundana

Maria das penas sonha que um dia
A vida seria sem o fio dos punhais
Livre dos potros e velhos baguais
Por isso gritava por sua alforria
Pagando promessas em romaria...
Maria que sonha com alvos lençóis
Mas vaga na noite por entre os faróis
Envolta em trapos e morta de fome
Vai solitária num passo disforme
Com ombros pesados de luas e sóis

II – Maria catadora de ausências

Maria catadora de ausências
Medita silêncios em sua clausura
Vibra ilusões de fluída amargura
Recolhe traumas na sua existência
Soluça lágrimas em confidência
Maria é seiva que pede piedade
Revolve sossegos por caridade
E um sol na tarde é um lamento
O olhar tristonho no firmamento
Alvoroço da urbe e da realidade

Maria medita semanas a fio
Pacata ausência de tocante figura
Grassa desejos de insólita lisura
E um vasto pensamento vazio
Profundo e pardo nas águas do rio
Maria intensa de pura negritude
A mão vagueia na vasta amplitude
Sintetiza normas e rusgas eternas
Indicador em riste: é a lei materna
E segue a vida num rumo rude

III – Maria catadora de horizontes

Maria catadora de horizontes
Cata ventos e partiu para o infinito
Leva no ventre um filho bendito
Encara tempos e chuvas na fronte
E desbrava planuras e montes
Maria cata quinquilharias
Um desalento no seu dia a dia
Cruza oceanos e afoga os olhares
Águas soturnas e dias melhores
E um sonho além da fantasia

Maria catadora de margem distante
Léguas de chão e trilhas de pó
Milhas de sal e águas sem dó
Frenética fuga da sina migrante
Ela não cansa e caminha ofegante...
Maria à deriva um sonho extravasa
Teve a certeza da ilusão que abrasa
Na margem oposta o fim da utopia
E o troco da vida, estranha ironia
Partiu Maria... pariu longe de casa

IV – Três Marias em nuvens de chumbo

Três Marias em nuvens de chumbo
Três olhares em triste harmonia
Marias da noite... Marias de dia...
Passos rudes em caminhos imundos
Pobre sina num pequeno mundo
Três destinos de vidas errantes
Marias atrás... Marias adiante...
Três Marias em nuvens de chumbo
Três batidas sincopadas de um bumbo
Eternas mulheres... Marias andantes...

São três Marias num triste calvário
Sobram penas, ausências e horizontes
Atitudes francas nos dias em reponte
Marias da Fé de joelhos no santuário
Maria das Dores... Marias do Rosário
E seguem no rumo de trilhas e trilhos
Ilusão de desejos num longo martírio
A sina de aço das Marias guerreiras
Cultivam abraços cobertos de poeiras
Levam silêncios e sonhos dos filhos

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Inspiração

Mulheres e suas agruras.

Sobre a obra

Mulheres que sofrem e sentem aflição: as que penam nas cidades, as que migram e as que sofrem com ausências.

Sobre o autor

Sou graduado em Engenharia Civil e funcionário aposentado da Caixa.
Autor dos livros:
Os agachados – crônicas da Era Lula (edição 2012)
Contos de Chumbo (Chiado Editora 2015)
Tintos e Contos (Penalux 2017)
O código Locatelli – romance – (Penalux 2018)
Sofrendo em Paris - crônicas - (Penalux 2018)

Autor(a): ATHOS RONALDO MIRALHA DA CUNHA (Athos Ronaldo Miralha da Cunha)

APCEF/RS