Talentos

Conversas do cotidiano

Conversas do cotidiano

A luz foi, como de costume, suplantando lentamente a escuridão e o dia apresentou-se em um espetáculo ensolarado. Subo no coletivo, como de costume e, como de costume, o motorista é o mesmo, o cobrador também. Também está vago o lugar de sempre: quarta fileira, lado direito, janela. Diferentes são algumas pessoas - que não são costumeiras nesse trajeto - como as duas senhoras que sentaram nos lugares atrás do meu. Elas conversam em alto e bom tom, atrapalhando o silêncio dos meus pensamentos. Tento ler, mas o texto do livro perde o nexo. Elas estão falando de um crime, que aconteceu em um outro bairro da cidade. Coisa feia, feita a faca. Um morto, o outro, o homicida, ferido à bala pelo irmão da vítima, está mal "morre, não morre", disse uma delas.
A outra comenta notícia do rádio - do plantão policial - onde crimes de toda sorte são divulgados a varejo. Penso que, neste momento exato, dois homens estão se digladiando em algum lugar da cidade, do país ou do mundo. Não só à faca, mas de fuzil, granada, bombardeio. E penso que os dois, os que matam e os que morrem, são pais, filhos, têm irmãos, cachorros, já cuidaram de uma horta ou de um jardim, já namoraram e foram felizes. Mas isso foi em outros tempos.
Uma delas levanta, aciona o sinal e, antes de descer no ponto, ainda comenta com a que ficou:
- Não sei onde é que a gente vai parar...
Senti uma terível vontade irônica de comentar: "a senhora sabe. Está parando nesta esquina." - mas me contive, por uma questão de bom senso.
Chega minha vez de saltar do coletivo. Antes de descer ouço dois senhores conversando e um diz aou outro:
- Esse disse ao que veio! dois gols no mesmo jogo...
Desço, ando duas quadras, dobro a esquerda e chego ao trabalho. Cumprimento alguns colegas e me recolho ao meu setor, longe do atendimento ao público, sem janelas e silencioso, isolado das conversas do mundo.

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Inspiração

O trajeto casa/trabalho, no transporte público.

Sobre a obra

Usei o presente histórico, colocando o personagem central (eu) em um passado relatado em primeira pessoa

Sobre o autor

Sou apaixonado pelas letras. Participei de concursos literários, onde ja tive obras premiadas e publicadas em livro

Autor(a): HELIO DA SILVA DOS SANTOS (Heliossantos)

APCEF/RS