Talentos

A Moça Das Águas

No calar da noite, estava eu desejoso de um encontro com a moça bonita da beira do igarapé.
Então fora eu, depois de um dia penoso no roçado e depois de ver “meu couro” castigado pelo calor do sol de um dia intenso de trabalho com uma inchada cheia de peso e de calos nos dedos. Corri pra casa pra “mó de” me banhar e vestir uma roupa perfumada e encontrar com a mulher linda e misteriosa que avistava de noite e me fazia sinais convidativos de contato. Sinais esses, que temi de obedecer por pura falta de estima própria “o que há de querer essa mulher com um simples homem acabado feito eu?”.
Apressado, estava eu ao encontro da mulher que vivia no igarapé por trás do terreno abandonado do Zé da Tripa. Ao chegar, me deparei com tamanha beleza da noite, com céu, lua e estrelas, o que desenhava mais ainda o encanto da mulher que se banhava destemida adentro do igarapé escuro e frio de umas águas marajoaras e misteriosas do norte do Brasil.
Como de costume, a linda mulher me sorriu ao me notar, e eu acanhado e encabulado correspondi aquele feito.
Então, ela dizera meu nome “Osmar! Osmar!”. Estremeci em um misto de surpresa e medo.
- O que quereis, mulher bela? - Respondi escabriado.
- Te escolhi desde quando eras pequeno e se banhava nessas águas. Tu és o homem que preciso para concluir a missão de me libertar.
- Libertar de quê, moça?
- Estou amaldiçoada e condenada a ficar presa nestas águas marajoaras. Tudo por que na minha mocidade, a Matinta invejara a minha beleza e pôs-me nesse leito de rio como castigo e punição. Só tenho então, uma chance de salvação. Quero que lave os meus cabelos com o sangue da Matinta para que o encanto seja quebrado. Repito, essa é a única chance que terei para me libertar e estudei a pessoa certa durante anos. Se você realizar o meu pedido, serei sua esposa.
- Cumprirei a este ordenado, minha bela moça. Só não entendo o caminho a ser tomado.
- Encontrarás a Matinta ao final da rua da zona rural, última casa, atrás de uma mangueira sem frutos. E então, o instinto te ajudará na conclusão do feito.
Dito isso, naquele mesmo momento encarreguei-me de procurar o local indicado. Estava completamente envolvido pelo encanto da bela mulher e não saberia negar-lhe o pedido por mais difícil que fosse imaginar realizá-lo.
Então estava eu no endereço indicado, observando o movimento da casa da tal mulher. Entra hora e sai hora e nada de aparecer-me alguma alma viva em movimento dentro daquele simples e pobre casebre. Não tardou de amanhecer e me deparei com uma figura emblemática: rosto pálido e figura aparentemente doentia de uma moça que parecia estar no auge dos 35 anos. Me aproximei e perguntei para a mulher franzina e desprovida de beleza, pela figura feminina capaz de castigar uma moça tão angelical.
- Conhece alguma mulher com desafeto com uma moça angelical que a cerca de trinta anos desapareceu misteriosamente?
- Senhor, eu não sei lhe responder mas meu avô deve saber informá-lo.
Chamou-me o velho, “quem está aí? - gritou o velho com voz cavernosa.
Então indaguei o velho sobre o conhecimento de uma bela moça que desaparecera e sobre a pessoa que poderia estar envolvida nessa maldade descabida e invejosa.
Falou-me o velho que outrora era um bonito homem jovem e se afeiçoou de uma moça que continha todas as característica que eu encontrava na mulher da água, mas que por algum desencontro inexplicável da vida casou-se com outra mulher. Mulher essa que sempre o trapaceava e saia noturnamente, conseguindo deixar sua vida noturna sempre oculta e secreta.
Aí captei “Matinta! É ela!” - pensei.
- Aonde encontro sua esposa, com todo o respeito senhor? -Perguntei timidamente.
- Ela já morreu tem 9 anos! - respondeu-me o velho.
Caiu por terra, naquele momento a minha alegria de viver e me senti impotente e fracassado. “Fiz uma promessa e não poderei cumpri-la”.
Voltei pra casa exausto, desanimado e com o coração repartido em várias migalhas de sofrimento. Eu vou decepcionar a moça e nada poderei fazer para ajudá-la agora. Imaginei desvarias, desossadas e exumações desnecessárias. “O que fazer agora?”.
Uma luz brilhou no meu entendimento. “Vou convencer a neta do velho (descendente da velha) a me ajudar”.
No dia seguinte, já se passava meio dia e voltei à casa do velho pra ter uma prosa com a mulher que ele tinha como neta, “como explicar pra ela? Vai me chamar de louco! Vou ter o título de louco do vilarejo.”
Chamei-a e de forma branda e pouco clara expliquei de uma prisão a qual se encontrava uma moça desconhecida e implorei para que me ajudasse com alguns ml de sangue. Me sentindo o maior idiota por estar explicando isso e temendo o pensamento da mulher ao meu respeito.
Para a minha grande surpresa, a mulher concordou em me ajudar e compreendeu perfeitamente como se conhecesse os poderes de sua falecida avó. Como sugestão da mesma, combinamos um encontro à beira do igarapé na madrugada seguinte apenas se não fosse noite de luar. Eu prontamente concordei.
Providenciei um frasco de vidro virgem com ranhuras de indicação de volume, uma faca pequena virgem e um presente para agradecer a mulher tão prestativa que prometera me ajudar.
Com à noite sem lua, estava eu, minha lamparina, minha faca e meu pote à espera da mulher franzina. Que não tardou em chegar. Ela se aproximava cada vez mais e com um sorriso diferente em seu rosto. Ao chegar perto de mim gargalhou de um jeito que arrepiou até o meu espinhaço.
Gargalhou, gargalhou, assobiou assombrada e agudamente. Incorporou-se de uma força que mulher tão magra e amarela daquela jamais teria e me atacou com diversas e impiedosas punhaladas, que eu tentava vencer e sem entender o motivo da agressão.
“Valei-me meu Senhor Jesus Cristo” - gritei eu achando que seria minha última madrugada vivo nesta terra. Inacreditavelmente, após aquelas “palavras mágicas” a mulher caiu se contorcendo e agonizando no chão. Foi aí que a ficha caiu, a mulher recebeu a herança maldita da avó, demônia como a avó, Matinta Pereira como a avó.
A mulher parecia estar morrendo e eu gritei por socorro e ninguém por perto. Fiz então, o que prometera a minha moça das águas. Fiz um pequeno golpe na mão da Matinta Neta (mesmo assim sentindo culpa) e coletei pequena parte do sangue no frasco de vidro que havia deixado em um canto da areia do Igarapé.
“Osmar, sou eu, você conseguiu. A Matinta está morrendo por causa do poder das suas palavras e até o clarear do dia ela já não fará parte desse mundo. Já a mim, Osmar... você a partir de agora me devolve a vida e eu consigo ter a liberdade de andar livre por entre os solos.”
Quando entrei nas águas e as gotinhas de sangue tocaram a minha donzela pelos cabelos todas as criaturas da mata urraram e uma forte luz nos encobriu naquela madrugada, parecia a luz de um pequeno sol a poucos metros de mim. Fechei os olhos e ao abri-los vi o meu doce anjo se distanciando das margens da água, com uma vestimenta que parecia ser de cinco décadas passadas. Mas era exatamente a roupa que ela usava no momento em que foi encantada.
A minha moça bonita caminhava e sorria tão linda como nunca e me convidava a sair do Igarapé ao seu encontro. Então eu me lembrei do encanto que eu, homem feito, sofri no primeiro momento que vi aquela mulher pela primeira vez.

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Inspiração

Os mistérios Amazônicos e suas crendices populares.

Sobre a obra

A imaginação me guiou.

Sobre o autor

A arte e suas diversas formas de expressão me encantam e me conquistam.
Amo e me realizo sendo artista.

Autor(a): ADRIA RAFAELLA MODESTO REIS (Ádria)

APCEF/PA