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O SEGREDO DO COFRE

O SEGREDO DO COFRE


¨ ... duas voltas à esquerda, parando no 29. Uma volta e meia à direta até o 08 ... Pronto! Agora gire o trinco e ... ¨

Mais de cinquenta anos depois que ouvi estas instruções, ainda consigo abrir o velho cofre na casa de meus pais. Quando vou visitá-los testo minha memória, abrindo o que simboliza uma das maiores lições da vida. Aproveito para rever umas poucas joias e pequenos objetos que ganhei de familiares e amigos, de valor puramente sentimental.
Filho mais velho em uma família de seis irmãos, recebi a missão de responder pelo comércio que meu pai tinha numa pequena cidade do interior. A renda da loja, com dois funcionários, ficara pequena para o tamanho do grupo e das nossas necessidades. A mamãe, como sempre, era a responsável pela casa e por nossa criação.
A solução encontrada por papai para conseguir complementar a renda foi mascatear, viajando pela região. Sempre foi um homem empreendedor e nunca ficou olhando pro céu à espera da chuva. Atitude é seu forte.
Os apurados da nossa pequena loja de três portas, mas bem localizada na praça da igreja, eram diariamente depositados por mim, quando de suas viagens, no cofre recém comprado e situado no quarto do casal, em nossa casa. Eu fazia uns ¨tuchos¨ do dinheiro, enrolando com uma folha de papel de caderno com a devida data, conforme combinado com papai. Mamãe nunca interferiu no processo mas tinha também, claro, a combinação gravada na memória, assim como eu. Não nos fora permitido anotar o segredo.
Meus amigos e colegas do colégio, que eu frequentava à noite, alguns também filhos de comerciantes, sempre participavam dos eventos festivos da comunidade, promovidos pelo próprio colégio, pela igreja, pelo clube social ou pela sociedade local. Cercados de muitos amigos e admirados pelas garotas do colégio, esbanjavam nas contas dos lanches, balas e sorvetes para todos, inclusive eu, que não conseguia entender o porquê de tanto poder, uma vez que tínhamos nosso comércio assim como eles. Não era um sentimento de inveja, mas aquilo me incomodava.
Tomei uma decisão. Falaria com meu pai quando ele voltasse de uma de suas viagens. Enchi-me de coragem e aproveitei um momento em que ele já estava descansado da viagem. Contei-lhe o motivo da minha inquietação diante da atitude dos amigos, sempre endinheirados, enquanto eu não tinha como oferecer um sorvete pra uma garota. Claro que eu tinha uma solução para meu problema. Até porque, do alto dos meus ¨jᨠdoze anos, começava a olhar para o sexo oposto com outros olhos. Enchi o peito e disparei o pleito: ¨Gostaria que o senhor estabelecesse qualquer valor por semana, quinzena, mês ou qualquer outra forma de remuneração (na época não conhecia a palavra ¨mesada¨). Seria uma glória! Não teria que pedir um dinheirinho para ir à matinê aos domingos, além da pipoca. Sem falar nas meninas! E quando ele estava fora? Como fazer? Argumentos não me faltavam. Afinal treinei bastante meu discurso diante do espelho, como nos ensaios caseiros para as apresentações do Grêmio Estudantil.
Meu pai franzia cada vez mais as sobrancelhas durante o desenrolar da conversa e, naquele momento, confesso que suspeitei que minha ¨ousadia¨ poderia piorar a situação. Temia que minha reinvindicação fosse mal interpretada ou considerada um desrespeito. Os pais, naquela época, adotavam uma educação bem mais rígida que a de hoje em dia.
Veio então, para minha surpresa – pois nunca imaginara tal desfecho para a conversa – uma das decisões, ou melhor, uma das maiores lições que recebi na vida! Papai, enfim, falou:
-- Não sei se seus amigos têm ¨carta branca¨ para usar o dinheiro dos pais à bel-prazer. Não vou estipular nenhum valor como pedes, pois não és meu empregado e sim um dos donos da loja!
Em seguida ele jogou uma verdadeira bomba em meu colo, transformando uma responsabilidade, já enorme com a guarda do numerário, em outra maior: a responsabilidade de saber gastar dinheiro!
-- Uses o que achares que precisas de fato, mas não gastes desnecessariamente. Afinal, te ensinei o segredo do cofre!

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Inspiração

A IDEIA FOI RELATAR FATOS MARCANTES NA VIDA DO AUTOR.

Sobre a obra

A OBRA RELATA FATOS QUE MARCARAM A EDUCAÇÃO FAMILIAR DO AUTOR, QUANDO PRÉ ADOLESCENTE, CUJOS ENSINAMENTOS ENALTECEM PRINCÍPIOS IMPORTANTES PARA TODOS, EM QUALQUER IDADE.

Sobre o autor

EMPREGADO APOSENTADO DA CAIXA, ADMITIDO EM 2004 AOS 51 ANOS, DEDICO PARTE DO TEMPO A APRECIAR AS MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS EM TODAS AS SUAS EXPRESSÕES.

Autor(a): FILADELFO DA ROCHA NETO (ROCHINHA)

APCEF/SE