Talentos

A FÉ NÃO COSTUMA FALHAR

A FÉ NÃO COSTUMA FALHAR

--- Atenção senhores passageiros da Companhia Tal, com destino à cidade de ... Dirijam-se à plataforma seis para embarque. Partiremos em quinze minutos.
Era uma segunda feira, 19 de abril. Até que enfim a voz feminina, macia e delicada que saía dos auto falantes anunciava meu embarque. Chegara à rodoviária ás seis e quinze daquela manhã de um céu carrancudo, prestes a derramar bastante água. Não se poderia chamar de um dia lindo, de sol radiante. Aquele outono de 2004 ainda estava quente, com ares de verão, normal para o Nordeste naquela época do ano.
Radiante mesmo era como me sentia no momento, mesmo com aquele friozinho na barriga, bem nosso conhecido nessas ocasiões, por estar viajando rumo ao desconhecido mais uma vez na vida. A experiência atrelada aos meus cinquenta e um anos de rodagem pelos vários estados onde morei, dava- me suporte suficiente para lidar com novas situações. Ainda mais com aquele gostinho de quem ganha um presente tão sonhado: estar concretizando um projeto em que, a princípio, eu não fora o principal protagonista.
Enquanto aguardava comecei a relembrar como tudo acontecera para que eu ali estivesse. O início de tudo fora há pouco mais de quatro anos, final de 1999 e primeiros meses do novo milênio, quando fui compelido a buscar solução para um problema meramente familiar, como fazem todos os pais. Ou pelo menos devem.
Desiludida por não ter obtido classificação no curso pretendido, mais uma vez, em concurso vestibular recente, minha filha ficou em um estado que, na minha leiga opinião de pai, parecia depressão. Era no mínimo um sentimento de completa revolta. Absolutamente compreensível depois de tanta dedicação aos estudos e tantas renúncias a passeios, festas, praia e tantos outros eventos preferidos por jovens (ou outros menos jovens). Apesar de excelentes desempenhos nos concursos, batia na trave e não entrava. Quantas famílias já não passaram e passam por isso!
-- Nunca mais quero estudar! --- sentenciava ela em sua desilusão, para meu desespero. Não poderia ficar alheio diante daquele quadro de tristeza e desolação. Precisava tomar uma atitude. Toda aquela dedicação anterior não podia acabar ali. Pelo menos não dessa forma.
Dias depois tomei conhecimento que a Caixa lançara o edital do concurso do ano 2000. Ali poderia estar a solução que eu tanto buscava. O difícil agora seria convencer a minha ¨ex¨ estudiosa, que mal saía do quarto e, pior, mal se alimentava.
Quando mostrei o edital com o conteúdo programático, a reação foi negativa como eu já esperava.
--- O que tenho haver com banco? Não sei pra onde vai essa história de Conhecimentos Bancários!
Eu sabia que teria que ser convincente naquela hora ou a conversa acabaria ali. Argumentei:
--- Não se preocupe com isso. Você está super afiada em todas as outras matérias. Além do mais, tenho conhecimento de muitos procedimentos, produtos e transações bancárias, adquiridos ao longo de quase vinte anos como empresário (tinha um mercadinho de bairro na época). Comprarei uma apostila e estudaremos juntos, ítem por ítem. Não deixarei nenhuma dúvida sobre a parte bancária.
E sapequei em tom de brincadeira, para relaxá-la:
--- Sem contar que você sempre gostou de ter seu dinheirinho, são muitas as vantagens oferecidas e blá, blá, blá ...
Percebi um ligeiro brilho no olhar e um leve e discreto sorriso em seu rosto. Faltava o argumento final para quebrar aquela resistência.
--- Faltam poucos dias para o encerramento das inscrições. Vou com você.Serei um dos seus concorrentes. --- disparei minha última cartada, o último trunfo que guardara na manga.
A decisão final só veio na data limite, e já no segundo expediente, quando fomos a uma agência (superlotada, como até hoje) fazer as benditas inscrições, de onde só saímos à noite. A multidão no banco desanimou-a.
--- Tenha fé. Nós vamos conseguir --- reanimei-a.
Não deu outra: em 2001, minha filha foi convocada, por ter obtido uma ótima classificação no certame. Continua na Empresa, onde chegou à gerente, fez curso superior, casou, deu-me netos e somos (e seremos) felizes, com fé em Deus.

Xxxxxxxxxxxxxxxxxxx

Relembrando todos esses fatos na rodoviária, enquanto aguardava o embarque, mal ouvia, ao fundo, o noticiário na TV. Acho que cheguei muito cedo para o horário do ônibus. Se perdesse aquele já era.
Continuei minhas lembranças pelas causas que me trouxeram até aqui.
A vida seguia seu rumo e nosso pequeno comércio familiar (administrado por mim, esposa, o outro filho e, às vezes, outros parentes), estava indo muito bem. Apesar de uma carga horária bastante pesada, financeiramente não tinha preocupações. Porém a violência na região começou a incomodar. A preocupação com a segurança da família cobrava-me uma atitude; novas escolhas e decisões precisariam ser tomadas. Que fazer, além de rezar?
Após sofrer vários arrombamentos e assaltos à mão armada (confesso que uma arma na cabeça é uma sensação nada agradável), tive a certeza que aquele não era o caminho certo para nós. Dinheiro não é tudo. Todos os dias pedia a Deus que mostrasse-nos uma saída, antes de acontecer uma tragédia. Abandonar tudo e viver de que?
Um fato novo fez brilhar uma luz no fim do túnel: o concurso da Caixa que fiz junto com minha filha fora prorrogado por mais dois anos. Abriu-se uma chance remota de vir uma convocação, apesar de minha centésima oitava colocação. Era preciso reforçar, e muito, a fé em Deus e no santo de devoção. A formação católica nos leva a isso, inexoravelmente, para quem acredita, qualquer que seja seu Deus.
A angústia crescia em proporção inversa ao fim da nova validade do concurso. Fiz uma promessa a Santo Expedito. Apesar da fé, senti um certo desconforto: era como se estivesse agindo como comerciante, oferecendo algo em troca de uma graça a ser alcançada. Hoje sei que minha oferta foi recebida como gratidão e não um simples negócio.
Chegara a hora. Aquela voz da locutora da rodoviária fazia a convocação final para meu embarque, mas foi abafada pelo som da televisão, que anunciava as comemorações pelo dia de Santo Expedito. Um arrepio percorreu todo meu corpo. Comecei a tremer ao perceber o aviso, o recado enviado. Na minha euforia esquecera do santo, que certamente cobrava o cumprimento da promessa feita (que cumpro até hoje). Afinal eu estava embarcando para um novo recomeço, uma das fases mais felizes e importantes em minha vida e da família, agora mais segura e com a perspectiva de um futuro estável.
Enfim embarquei para o meu primeiro dia de trabalho como EMPREGADO DA CAIXA!

Compartilhe essa obra

Share Share Share Share Share
Inspiração

NO DIA A DIA COM COLEGAS DE TRABALHO EM EMPRESA PÚBLICA , SEMPRE NOS QUESTIONÁVAMOS SOBRE OS MOTIVOS QUE NOS LEVARAM A PRESTAR CONCURSO PARA NOSSA INSTITUIÇÃO.
OUVI MUITAS HISTÓRIAS CURIOSAS E RESOLVI CONTAR A MINHA.

Sobre a obra

TRATA-SE DO RELATO DE COMO PAI E FILHA RESOLVERAM PRESTAR CONCURSO PÚBLICO PARA UMA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. OS FATOS E CIRCUNSTÂNCIAS QUE DECIDIRAM O DESTINO DELES É NARRADO DE FORMA SIMPLES E VERDADEIRA . HISTÓRIA REPLETA DE MUDANÇAS, DECISÕES E ESCOLHAS DIFÍCEIS QUE POR VEZES NOS DEFRONTAMOS NA CAMINHADA DA VIDA.

Sobre o autor

EMPREGADO APOSENTADO DA CAIXA, ADMITIDO EM 2004 AOS 51 ANOS, DEDICO PARTE DO TEMPO A APRECIAR AS MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS EM TODAS AS SUAS EXPRESSÕES.

Autor(a): FILADELFO DA ROCHA NETO (ROCHINHA)

APCEF/SE