Talentos

Lá no sul do alambrado

Lá no sul do alambrado

Sou detento da geografia
Que o verde pampa modela
O tempo fecha a cancela
E o vento Pampeiro anuncia
Uma noite de estrela-guia
Nos acordes de uma guitarra
Saltam da mata em algazarra
Milongas e versos americanos
Que “Por el correo temprano”
Vive na voz de Violeta Parra

Tenho um tronco Maragato
E uma existência aragana
Na peleia da sina veterana
O meu lenço é o fogo-fátuo
E o fio-de-bigode é um trato
Pra quem troteia no Pampa
A voz clama e se agiganta
E vara rincões e aramados
No rio soturno dos afogados
Afoga mágoas, afina a garganta

Estou liberto do mapa
Das divisas e do varzedo
Dos riachos e do arvoredo
Onde a cor do lenço retrata
O canto do cardeal na mata
Um rito campeiro de louvores
Vem do encanto os olores
Na voz de Jaime Caetano Braun
E no canto de Facundo Cabral
Vou no rastro dos payadores.

A minha vista rasga o céu
Na “zamba de mi esperanza”
Nos olhares de uma criança
E nas bordas do meu chapéu
O pôr do sol é um fogaréu
Que minha alma extravasa
Nas platibandas das casas
Do pampa eu sou prisioneiro
Deixei rastros de um braseiro
E sonhos dormentes na brasa

A vida é um sopro do Minuano
O tempo é um barco à deriva
Vou em frente com a mente altiva
Esquivando os pealos dos anos
E assim eu não me engano
Circundo as fronteiras do pago
E na América me resguardo
Num encontro com Cenair Maicá
É vermelho o meu lenço acolá
Distante... lá no sul do alambrado

O meu horizonte é austral
E a outra margem é infinita
No ventre desta terra bendita
No recanto de Gabriela Mistral
Numa querência meridional
Sou um gaudério abandonado
Um xiru dos quatro costados
Tropeando desde noventa e três
Deixei serena a minha tez
Distante... lá no sul do alambrado

Nas andanças nestes quadrantes
Sorvo mate com Yupanqui e Zitarrosa...
...Victor Jara e Mercedes Sosa
Nos poemas de versos viajantes
Sob um teto de estrelas brilhantes
Foi-se a distância num mate lavado
Sigo levado pelas plagas do amargo
Dedilho notas de Noel Guarany
E os versos vagueiam por aí
Distante... lá no sul do alambrado

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Inspiração

A pajada elaborada para homenagear artistas Latino-americanos. Para sentir que não há fronteiras para a arte.
A geografia não impede esse encantamento.

Sobre a obra

Obra escrita em décima espinela para ressaltar alguns dos artistas mais populares da América do Sul.

Sobre o autor

Sou graduado em Engenharia Civil e funcionário aposentado da Caixa.
Autor dos livros Os agachados – crônicas da Era Lula (edição 2012), Contos de Chumbo (Chiado Editora 2015), Tintos e Contos (Penalux 2017), O código Locatelli – romance – (Penalux 2018) e Sofrendo em Paris – crônicas – (Penalux 2018).

Autor(a): ATHOS RONALDO MIRALHA DA CUNHA (Athos Ronaldo Miralha da Cunha)

APCEF/RS