Quem sou eu?

Se me perguntares quem sou eu
E por onde estive
Já que nunca ouvistes falar
De minha pessoa
Serei obrigado a responder
Que sou apenas
Uma sombra
Daquilo que sonhei
Um dia ser
E que estive no inferno
Durante muito tempo
Numa espécie de retiro
Retiro espiritual forçado
Onde fui apresentado
Aos sentimentos de Jacó
Para viver e ser só
E aprender o que é a dor
De ser um homem dominado
De sua fé Arrancado
De sua esperança,
Separado e apartado

Curvado à beira
De um abismo negro e silencioso
O relógio do tempo
Consumia minha vida
Famintas labaredas
Lambuzavam minhas costas
Cozinhando minhas entranhas
Destroçando meu orgulho
E desintegrando
Minha integridade

Restou-me atraente
A possibilidade de encontro
Com o efêmero
Com o voo da liberdade
Com o derradeiro grito no escuro
Grito de silêncio e de paz
Foi isso o que desejei
Mas também nisso
Fui incapaz
Faltou-me coragem
Enquanto qualidade natural
Enquanto virtude a me levar
A me libertar

Continuei escravo de mim
De tudo e de todos
Dos olhares e dos julgamentos
Continuei servente e conveniente
Foi assim que continuei
vivo
Foi por falta de coragem
Por falta de qualidade
Por falta de opção
Eu apenas fiquei
Mesmo sem querer ficar
A contragosto fui vivendo
Do jeito que dava pra viver
Enquanto coziam-me
As labaredas
Ardendo meu corpo
E fulminando minha alma
Primeiro fui fraco
Depois fui covarde
De nada fui digno
Mas, de ruim
Sobrevivi
E retornado do inferno,
Ainda que por desdém
Vejo que cozido
Talvez eu seja
Melhor que cru.
Melhor que aquilo
Que um dia imaginei
Poder vir a ser

O sofrimento, talvez
Me tenha temperado
Conferido sabor
À minha alma
Me feito pronto
Pra ser levado à tua mesa.
Para ser saboreado
E decifrado.
Sem que precises
Perguntar sobre mim.
Vamos, venha
Degusta-me
E conta-me depois
O que sentir
Em tuas palavras
Estarão também
As minhas respostas
Por teu paladar
Serei confessado
E em teu sentimento,
Mais que eu mesmo
Tu saberás quem eu sou!