Talentos

Infância na chácara

A movimentação começava logo cedo. Passarinhos cantando, cachorros latindo, barulhos vindos da cozinha e o vento assobiando ao passar pelas frestas do telhado. E não demorava até ouvirmos o motor do trator trabalhando. A claridade insistia em adentrar, mesmo com a cortina encobrindo toda a vidraça do quarto. Anunciava-se mais um amanhecer na chácara.

A criançada acordava bem cedo, mesmo durante as férias. Achavam ruim? Que nada... Tinham o dia inteirinho para aproveitar! Estavam construindo um tanque enorme bem em frente da casa. Seria usado para armazenar água para irrigação. Enquanto não ficava pronto, o enorme buraco era muito bem utilizado para gastar energia em diversas brincadeiras. As crianças desciam e subiam os barrancos incontáveis vezes, imitando samurais em batalha, apostando corrida ou simplesmente sentindo o vento no rosto e nos cabelos soltos e esvoaçados.

Vez ou outra pegavam umas faquinhas da cozinha e iam para um espaço ainda não utilizado na lavoura. Lá cresciam uns matos com um caule comprido. Eles cortavam o caule na base, retiravam as folhas e picavam o longo caule em pedaços menores, imitando madeira. Colocavam as toras de madeiras nos caminhões de plástico e faziam uma estrada no meio da floresta, por onde o caminhão carregava os troncos de madeira. No destino utilizavam os troncos na construção de cidades.

Porém, felicidade plena era quando o avô pegava todos os netos, colocava em seu Corcel II verde, e os levava para uma plantação de eucalipto que tinha lá perto. Na época das chuvas, quando o chão ficava bem úmido, tinha bastante kinoko (uma espécie deliciosa de cogumelo) no chão próximo aos pés dos eucaliptos. Era uma correria... Para lá e para cá... Entre as gigantescas e infinitas árvores procurando e colhendo os kinokos. O final da colheita sempre rendia várias baciadas repletas de cogumelos que as mães utilizavam no preparo de vários pratos.

As crianças maiores costumavam ajudar em alguns serviços na lavoura. Todas elas acabavam conhecendo a fundo vários legumes porque lidavam com cada um deles durante alguns meses. Na safra de cenoura, eles acompanhavam o processo desde o preparo da terra. Mas começavam de fato a atuar a partir do momento em que os canteiros deviam ser raleados, que era retirar algumas mudas que ficavam muito juntas, dessa forma elas tinham mais espaço para se desenvolver. Ficavam horas sentados raleando aqueles canteiros que pareciam não ter fim. Depois vinha a época da colheita e a parte mais legal, que era a hora de lavar as cenouras. Na chácara tinha uma máquina para fazer isso. Era uma espécie de barril que ficava rodando mergulhado na água. As cenouras eram colocadas dentro do barril, que ficava girando dentro da água. Aí depois de um tempo abriam uma portinha e as cenouras iam saindo aos poucos, já bem limpinhas. Como essa engenhoca nos ajudava! Eles adoravam essa parte do trabalho e ficavam olhando maravilhados o seu funcionamento.

A mesma máquina também era usada para lavar beterraba. Todo o processo de cultivo da beterraba era muito parecido com o da cenoura. Exceto na parte de separar as folhas, na cenoura, que eram retiradas com as mãos. Já com a beterraba usavam uma faca, porque não era tão fácil fazer isso apenas com as mãos. E algumas vezes deixavam uns dois dedos do talo das folhas junto com a beterraba.

Agora, não tinha nada mais divertido do que a colheita de couve-flor. Para colher usava-se uma faca e deixava uma parte das folhas junto com a couve-flor, para evitar de sujar. Iam amontoando tudo pela roça e depois o trator passava puxando uma carretinha para recolher todas elas. Uma pessoa ia dirigindo o trator, andando bem devagar, duas pessoas em cima da carreta e outras no chão. As pessoas que estavam no chão pegavam uma couve-flor e a arremessava para as que estavam na carreta. Era uma distância de uns 4 metros, mais ou menos. As pessoas da carreta iam pegando as couves-flores que eram arremessadas e iam organizando lá. A carreta ficava carregada com as couves encaixadas umas nas outras. Todos tinham que ficar bem atentos aos arremessos. Acho que foi aí que começaram a treinar para o baseball e nem sabiam.

Muito trabalho para pessoas ainda tão jovens? Para os dias atuais talvez sim. Mas hoje, passadas algumas décadas, quando aquelas crianças tem a oportunidade de se reunir... Quantas boas lembranças e belas histórias são relembradas... Reclamação de algo? Nenhuma! E no meio da conversa sempre surge a frase: “Como foi boa a nossa infância na chácara!”

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Inspiração

A minha inspiração foi relembrar fatos ocorridos durante a minha infância.

Sobre a obra

Tentei relatar algumas das aventuras vividas durante a minha infância, dos meus irmãos e primos.

Sobre o autor

Uma aprendiz à procura de algo desconhecido.

Autor(a): HARUMI KIMURA TAKAHASHI (Harumi)

APCEF/DF