Ficam os dedos!

Maria Elisa era feia! Muito feia... Tinha cabelos ralos e curtos, não cresciam e ela ainda tinha inventado de pintá-los na cor “ouro velho”, que os deixava no mesmo tom da pele. O rosto era quadrado, tinha o maxilar enorme e os dentes pequenos. Os peitos, apesar de minúsculos eram caídos, pareciam ovos... Fritos! Era magra, mas as ancas eram generosas, o que a deixava com as pernas separadas, formando um espaço triangular entre as coxas e os joelhos. As pernas eram finas.
Surpreendentemente, os pés eram bem feitos. Nem grandes, nem pequenos. Pareciam os pés das estátuas de deusas gregas. Os dedos, além de bonitos e elegantes, tinham formas por demais harmoniosas, combinavam entre si como contas de um colar.
Curiosamente, a parte de seu corpo que Maria Elisa menos gostava eram os pés. Também pudera, queria sempre usar sapatos dois números menor que o apropriado e estava sempre sentindo um incômodo horrível! Isso a levava a achar que os pés eram feios, pois causavam-lhe dor!
Por que algumas pessoas insistem em usar sapatos de número menor que o seu? Isso é literalmente um tiro no pé. Vão sentir dor e deformá-lo!
Mas ela era assim. Só queria calçar aqueles sapatos de salto ato e bico fino que achava lindos, porque deixavam seus pés bem pequenos, mesmo que esmagasse os pobres.
Esse assunto a perseguia: o que fazer para usar os tais sapatos e não sentir dor? O que fazer para que suas extremidades inferiores fossem mais bonitas?
Um dia, enquanto descansava deitada em uma rede, pela posição proporcionada, ficou de frente para aqueles que achava que eram seu grande problema, sua parte mais feia. E olhando e matutando, chegou a uma conclusão: já são tão feios mesmo, porque não estreitá-los ao menos? Poderia fazer isso se cortasse o dedo do meio...
E isso se tornou ideia fixa. Precisava cortar o dedo do meio do pé, o terceiro. Como se chama esse dedo? O terceiro da mão é o médio. E o do pé?
E pensando sempre nisso, decidiu que procuraria um médico para fazê-lo. Marcou a consulta para daí a uma semana. E pôs-se a imaginar o que diria ao médico: posso dizer que o dedo dói muito, ou posso dizer que ele é grande, ou ainda que não gosto dele. Será que o médico não vai achar ruim uma consulta para isso?
E a semana demorou a passar... E Maria Elisa não parava de pensar na “cirurgia”. Será que vai doer? Será que a recuperação demora? Será que o médico se convencerá fácil de minha necessidade? Será que? Será?
Mas o dia chegou. Saiu mais cedo do trabalho e dirigiu-se para a clínica. Lá tomou aquele chá de cadeira, o médico havia se atrasado e ainda havia umas dez pessoas a serem atendidas antes dela. E foi ficando e pensando: será que estou fazendo a coisa certa? O médico não vai me achar maluca? Queria tanto que meu pé ficasse mais bonitinho, mais ajeitadinho no sapato... Queria tanto não sentir dor ao calçar meus sapatos favoritos...
E o tempo foi passando, a angústia crescendo. E se o médico a xingasse pela ideia estapafúrdia? Começou a ter dúvida...
Finalmente a porta do consultório se abriu e o médico disse:
- Maria Elisa! Vamos entrar?
- Boa noite, doutor, que demora!
- Perdoe-me, tive uns contratempos, mas me diga: o que a traz aqui hoje?
Teve neste momento a certeza de que a ideia era muito louca e pôs-se a gaguejar:
- Do... doutor, e-eu acho que tem algo errado aqui-qui na mi-minha garganta...
E continuou falando com a mão enfiada na boca:
- Tem uma bolinha ali... Pode ser um câncer? Podemos tirá-la?
E o médico:
- Claro que não, Maria Elisa. É só a úvula, uma estrutura normal. Não há nada errado aí!
- Cortar um dedo então nem pensar, né, doutor?
- Como?
- Nada, não, doutor, ando meio nervosa, não há nada, não... Muito obrigada. Até logo! - E foi saindo.
E o médico, ao se ver sozinho, pôs-se a rir:
- Ah ah ah ah ah... É cada maluquice! Ah ah ah ah ah... Mais uma piada para o próximo congresso de médicos a que eu for!

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Inspiração

Uma história ouvida, um exagero daqui e dali, um toque de humor... e pronto!

Sobre a obra

Muita leitura e muita tentativa me permitem escrever histórias pitorescas em contos curtos como esse.

Sobre o autor

Gosto de desenhar, pintar e escrever e fiquei em segundo lugar no Centro-oeste nas categorias "Artes Visuais" e "Literatura" no Talentos FENAE/APCEF em 2016.

Autor(a): JOAQUIM MARCELINO DE ANDRADE NETO ()

APCEF/DF