Os Banheiros da Matriz

Os Banheiros da Matriz

Outro dia estava refletindo sobre os banheiros da Matriz. Dá pra imaginar o que eu estava fazendo enquanto refletia sobre os banheiros da Matriz? É óbvio, né! Tem algum outro momento da vida em que pensamos em um banheiro senão quando estamos precisando dele ou utilizando ele? Em um ambiente de trabalho onde a individualidade é engolida pelos padrões, o banheiro talvez seja o local onde mais você é você mesmo! Não há outro local onde você se sinta mais à vontade do que no banheiro, principalmente no box do vaso sanitário, onde você pode fechar as portas e viver seu momento de solidão diário, pensar, meditar, esquecer dos problemas e se concentrar no agora! Nesse lugar não importa o que você veste, o que você fala, o que você pensa, ninguém julga ninguém. Nesse lugar todos são iguais, fazem a mesma coisa, da mesma forma! O banheiro é o lugar mais democrático do mundo! Não há evidências de que o cocô da mocinha linda, boazuda, simpática e perfumada seja menos mal cheiroso que o seu, bem como que ela não o faça da mesma forma que você. O banheiro é o símbolo de humanidade mais evidente em um ambiente corporativo!
E minha reflexão foi além, afinal o cocô estava um pouco preso naquela hora (Tudo porque não segui a natureza fazendo na hora que deu vontade, olha que besteira!): por quê este lugar tão necessário e simbólico é tão subestimado? Não deveriam ser os banheiros da Matriz, locais bem mais agradáveis do que são? A começar pela quantidade e tamanho deles, pois temos dois vasos sanitários masculinos para um andar inteiro de uns 40 homens. E é aí que começa o martírio. Todos os dias meu relógio biológico me manda fazer o nº2 em determinado horário, e eu procuro sempre atendê-lo. Acontece que parece que o relógio biológico das outras pessoas coincidem com o meu. Não sei se tem algum estudo científico sobre isso, o que poderia até ajudar se os sanitários fossem planejados de acordo com a maior recorrência de uso nos horários de pico do banheiro. Mas enfim, sempre que vou estão ocupados, daí tenho que subir ou descer as escadas pra achar um vaso livre nos outros andares.
E não é só isso: a limpeza dos banheiros também é feita no meu horário de necessidades! É impressionante, parece que as moças da limpeza ficam me vigiando, e quando eu me levanto pra ir ao banheiro elas saem na frente com os baldes e rodos só pra me sacanear! Imagina como é, às vezes desço ou subo uns 10 andares pra achar uma vaguinha!
Essa suspeita sobre as funcionárias da limpeza eu até já superei, agora eu acho que existem poderes sobrenaturais atuando pra me atrapalhar a “soltar os meus macaquinhos”. Sempre que consigo um vaso livre, e estou lá curtindo meu momento de “pintura da porcelana”, aparece uma dessas moças abrindo a porta e gritando: “Tem gente?” Normalmente elas gritam umas três vezes no mínimo, quebrando minha meditação e me apressando! Já tentei mudar meu horário, mas não adianta, elas sempre vem. E o pior é quando eu termino o serviço e saio do banheiro dando de cara com as moças, que dão aquela risadinha olhando pra mim como que perguntando: “Cagando, heim?”, ou “Tava entalado, moço?”. Situação difícil de resolver, já pensei em abrir uma ouvidoria, mas não sei se seria uma boa! Talvez seja mesmo algum fruto da minha imaginação, ou forças do além. Só no divã pra tentar entender.
E não obstante a estes constrangimentos no meu momento de solidão contemplativa, ainda tem os sensores de presença. Acho importante as empresas se preocuparem com a economia de luz e água com sensores para acender a luz e abrir as torneiras. O problema é conseguir limpar no escuro! Sim, porque o sensor fica do lado de fora do box, e faz a luz ficar acesa por um período curto (pode ser que a minha evacuação seja mais longa que o normal, vai saber!). Aí você está terminando de dar o último subtotal, quando de repente a luz apaga e te deixa no breu total. E você, de calça arreada, faz o que? Primeiro eu me levanto e começo a balançar o braço por sobre a porta do box tentando fazer o sensor me notar. Mas o sensor insensível não me nota, então só me resta abrir a porta do box e sair de calça arreada pra que a luz se acenda. E nessa hora, quem aparece? Ela mesmo, a mocinha da limpeza gritando: “Tem gente?” Brincadeira. Ainda não aconteceu isso, mas o meu medo de que aconteça é tão grande que penso que estou atraindo essa situação. Mais divã, então!
E a duchinha higiênica, que de higiênica só tem o nome? Geralmente quando ela funciona, é de duas, uma: ou o jato é tão potente que te estupra, fazendo uma lavagem intestinal completa, ou ele é do tipo “pipa do vovô”, sai aquela aguazinha xoxa, que dá vontade de esfregar a ponta pra lavar. Melhor resolver seu problema com papel mesmo, que tira o grosso e espalha o fino. Ou então lencinhos umedecidos no bolso nessa hora.
Tá bom, serviço feito, descarga dada e cinto afivelado. Ao lavar as mãos quem aparece de novo? Não, dessa vez não é a moça da limpeza. É o sensor de presença da torneira! Isso é outra coisa inexplicável pela ciência. Parece que o sensor tem nojinho, pois geralmente quando o contato das suas mãos com as fezes foi maior, ele não reconhece as mãos. E você tenta calmamente primeiro, sobe, desce, aproxima, bate palmas, e nada! E aí chega um colega do seu lado, e a 1 metro de distância faz um gesto suave e a torneira abre, e ele lava as mãos olhando com cara esnobe pra você, que está ali se matando pra ser reconhecido. Você pensa: deve ser essa torneira, e tenta usar a que o cara estava usando, mas não adianta. Olha pra mãos pra ver se elas não estão translúcidas, como no Ghost, e pensa se está mesmo vivo. Só mesmo o divã pra explicar isso.
Enfim, os banheiros da Matriz têm enorme potencial pra ajudar as pessoas a se sentirem melhor e trabalharem melhor. Por isso deveriam ser mais valorizados, afinal é o local onde todos sem exceção vão. Banheiro bom melhora o clima organizacional. Mas o que acontece hoje é o contrário, as pessoas se sentem oprimidas em fazer aquilo que as remete à sua mais pura origem humana, o momento sagrado onde cada um se despe não só das roupas, mas de todos as diferenças, sendo seres humanos iguais, únicos e livres.
Pela melhoria dos banheiros da Matriz!

Compartilhe essa obra

Inspiração

Estava no banheiro da Matriz e tive a inspiração a partir das observações e situações vividas.

Sobre a obra

Crônica com narrativa em primeira pessoa, baseada em fatos do cotidiano, com reflexões e humor.

Sobre o autor

Sou arquiteto, gosto de escrever, desenhar, compor e tocar, enfim, qualquer forma de arte em que eu possa me expressar livremente

Autor(a): RONALDO RODRIGUES DE CARVALHO ()

APCEF/GO