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Pires
Pires
- Mãe, agora que fiz 18 anos, quero revelar uma coisa muito
importante pra senhora.
- O que foi, meu filho? Pode dizer.
- Mãe, é que... eu vou mudar...
- DE SEXO? Ai, meu Deus! FICOU LOUCO?
- Não, mãe! Eu vou mudar meu nome.
- Nome? Ai, graças a Deus! Mas...como assim?
- Eu só estava esperando atingir a maioridade, mãe. Há muito
tempo que penso nisso, nunca comentei porque você e o pai poderiam achar ruim. Principalmente o pai.
- Sim, meu filho. Foi seu pai quem escolheu o seu nome. Eu queria que você se chamasse André ou Lucas, mas ele cismou que você iria se chamar Adamastor. Era o nome de um chefe que ele teve.
- Não, mãe. Eu gosto de Adamastor. Acho um nome diferente e imponente. O problema é que ninguém me chama de Adamastor!
- Uai, meu filho, não estou entendendo. Se você gosta de Adamastor porque quer mudar?
- Quero mudar o Pires, mãe!
- O Pires? Mas esse é o seu sobrenome! Não tem como mudar o sobrenome. Você enlouqueceu?
- Pra mim Pires é nome, mãe. Todo mundo só me chama de Pires, e eu odeio!
- Meu Deus! Seu pai deve estar se virando no caixão...
- Então, mãe, não é nada contra o pai ou a família dele. É porque esse nome é muito ruim pra mim. Pires não me representa, mãe. É um nome nada a ver, vai me impedir de ser bem sucedido.
- Adamastor, não é assim. Um nome não impede ninguém de ser feliz, pense bem nisso. Além do mais, eu acho que a lei não permite mudar sobrenome.
- Pois é, mãe, mas eu já conversei com um advogado. Vou entrar com um processo judicial alegando que Pires é o meu nome porque é assim que todo mundo me chama. Aliás, mamãe, vou lhe pedir que a partir de hoje a senhora também me chame de Pires. Vou ter que fazer esse sacrifício para que possa ganhar esse processo.
- Eu só quero entender o porque dessa birra com o sobrenome Pires. Foi algum fato na infância, é algum trauma com seu pai?
- Não, mãe. É que o pires é uma coisa inútil, e eu não quero ter o nome de uma coisa inútil.
- Inútil? O objeto pires? Por quê? O pires não é inútil.
- Ah, não, então pra que serve o pires?
- Uai, o pires serve pra pôr a xícara! Pra não queimar o forro da mesa.
- Pra quê, mamãe? As xícaras de hoje são de louça, de vidro ou de porcelana, não esquentam a ponto de queimar o forro da mesa. Isso era necessário antigamente, quando as xícaras eram de ferro, altos condutores térmicos. Hoje o pires nada mais é do que um elemento decorativo, sem utilidade prática.
- Eu não imagino um mundo sem pires, Adamastor.
- Mãe, eu já não uso pires há muito tempo, a senhora não percebeu? Não faz falta nenhuma, aliás o pires só atrapalha. A senhora já viu quando alguém serve café ou chá e te dá um pires? Você fica com as duas mãos ocupadas, porque segurar tudo com uma só mão é arriscado. Daí se quer comer um biscoito tem que por tudo na mesa pra pegar o biscoito. Sem sentido!
- Mas ele serve também para o caso de se derramar o café, não sujar o forro da mesa.
- Raramente isso acontece, mãe. Não justifica ter um objeto a mais só pra isso.
- Sei lá, acho que está sendo um pouco radical, Adamastor. Mudar o sobrenome por causa disso.
- Pires, mãe! Lembre-se de me chamar de Pires. Vai ter que se acostumar pra não dar bandeira numa eventual audiência. E não é sobrenome, pra mim é nome...
- Você quem sabe, Adam... quero dizer, Pires. Ai, que estranho te chamar assim!
- Tá vendo, mãe! Eu não tenho cara de Pires!
- É, pode ser mesmo. Tudo bem então.
- Bem, então tá, mamãe. A senhora concorda, então vamos tomar um café? Na xícara, e sem pires, tá?
- Ai ai... serve o meu no copo de vidro mesmo.
- Sem pires?
- Sim, Pires.
- Kkkkkkkk
- Kkkkkkkk
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Inspiração
Observando objetos que as pessoas usam por hábito ou costume, mas que no fundo não tem utilidade prática
Sobre a obra
A obra é um conto que expressa um diálogo cotidiano entre mãe e filho
Sobre o autor
Sou arquiteto, gosto de escrever, desenhar, compor e tocar, enfim, qualquer forma de arte em que eu possa me expressar livremente
Autor(a): RONALDO RODRIGUES DE CARVALHO ()
APCEF/GO
Obra não está disponível para votação.