Talentos

Protagonismo ou Apoio

Protagonismo ou Apoio?

Jorge Castilho

Ontem à tarde estava tomando um café com um amigo meu quando chegaram a filha de outro amigo e uma amiga sua, e começamos a falar de feminismo, quero contar esta história, mas preciso escolher não só as palavras como também os argumentos, pois o campo para um homem é minado, muito minado. É preciso ter coragem ou loucura para aventurar-se num campo assim, sem ser ou ter sapadores, quero falar de feminismo e protagonismo no feminismo.
Em primeiro lugar quero dizer bem claramente que sou homem cisgênero e sei das minhas múltiplas primazias neste sentido, tenho também consciência de que não consigo ter alteridade e nem empatia desenvolvida ao ponto de conseguir entender completamente o outro, e como qualquer criatura sou um pecador e que sou nascido em um país periférico, numa região que hoje é periférica dele e moro em outra região periférica.
Gosto de pensar nas mulheres olhando algumas figuras históricas e tentando compreender como mesmo naquelas situações, onde a primazia masculina era tanta que nem chegavam a ser contadas entre os vivos, sim nos censos que existiam no começo da historia sendo contados como população apenas homens adultos. Estas figuras fortíssimas conseguiram furar uma barreira tão grande que quando vejo alguma interpretação delas em filmes, não vejo nunca a grandeza que tenho certeza que tiveram.
Uma delas e talvez a primeira é Cleopatra, egípcia que torna-se Faraó, ou seja a soberana de um povo numa circunstância completamente adversa para sua condição feminina, fico imaginando a força que esta mulher tinha, como conseguiu romper tantas barreiras e tronar-se vitoriosa e uma figura das mais lembradas na história. Quando veja alguma interpretação dela sinto falta da energia e da força que creio ela teve.
Outra mulher forte na história é Dalila, que carrega uma pecha, a de ter enganado e traído seu marido, eu olho para Dalila como uma mulher de seu povo, que amava seu povo de tal maneira que propôs-se a correndo risco de vida, atrair com suas armas, o maior inimigo de seu povo, um guerreiro vitorioso e temido. Dalila consegue submeter seu maior inimigo e assim interromper um ciclo de derrotas para os filisteus. Também nunca foi interpretada como eu a imagino.
Trazendo agora para nossos tempos, eu entendo nosso tempo o tempo a partir da revolução industrial, temos Rosa Luxemburgo, uma mulher tão temida pelo capitalismo que foi fuzilada para contê-la, Rosa funda a Liga Espartacus, uma grande liderança para uma mulher no início do Sec.XX.
Similarmente temos o liderança de outra mulher em um partido de esquerda é Chiang Chin, ou Madame Mao, calma com os preconceitos, Chiang Chin nasce filha de uma concubina de um senhor rural (ou talvez feudal) da china e recusa-se a ter o mesmo destino de sua mãe, ser constantemente espancada pelo marido, ter os pés atrofiados, lutou por bandeiras que as mulheres ocidentais lutavam e conseguiu protagonismo dentro da estrutura do PCC, uma mulher que no mundo oriental, muito mais machista que o ocidental, lutou por sua vida de mulher, para entender as armas usadas por ela é preciso muita alteridade.
Em nosso país temos figuras como Maria Bonita, Elza Soares, Celina Guimarães Viana, a primeira eleitora do Brasil, Dandara, negra, escrava, e quilombola, foi casada com Zumbi, Maria da Penha, Dilma entre tantas outras.
Pois é como eu falei no início andar num campo minado sem ser ou ter sapadores, nasci nunca família em que meu pai nasce no começo do século XX, no interior de Pernambuco num lugarejo chamado Brejão, distrito de Garanhuns à época e hoje cidade, minha mãe nascida em Recife, a capital do estado e à época a quarta maior cidade do Brasil, meu pai era o primogénito, isto mesmo, primogénito de seus irmãos, que eram nove, eu também tive nove irmãos, com uma peculiaridade, oito irmãs, todos os primeiros rebentos masculinos do casal não sobreviviam e meu pai queria ter um filho homem de todo jeito, minha mãe teve ao todo vinte filhos, meu pai deve ter sido verdadeiramente machista para satisfazer sua vontade de ter um filho homem provocar tantas gravidez em minha mãe, pois só nas duas últimas seu desejo foi realizado.
Ele era militar, oficial, o primeiro da família dele a ter curso superior, mas a noite quando chegava em casa do quartel, ia para o tanque lavar as fraldas das minhas irmãs mais velhas, ele faleceu quando tinha onze anos, cresci rodeado de mulheres, mulheres de todo tipo, cantora, como minha tia Mimi, Almira Castilho, que já sendo normalista foi fazer carreira no rádio, quando conheceu Jackson do Pandeiro e mesmo ele sendo casado e negro, casou com ele na Igreja Brasileira e formou uma dupla de sucesso na música brasileira, tia Mimi, era uma mulher forte, destas que falei acima.
Quero falar para as mulheres com as quais tomei o café, que ví e aprendi nas minhas irmãs diversas formas de ser, de tornar-se, de fazer-se e de transformar-se mulher, devo muito a elas, a meu irmão também, mas este é um texto sobre mulheres, observei que em minha vida de artista, sempre foi algo que me deixou inquieto, não quero ser protagonista da luta das mulheres, nem dos negros, nem dos índios, nem dos ciganos e nem dos fulanos e beltranos, cada um e uma é protagonista de sua própria luta de ser e fazer-se, mas não posso deixar de dar meu apoio a estas lutas.

Compartilhe essa obra

Share Share Share Share Share
Inspiração

Conversa num café sobre feminismo, machismo, alteridade e empatia.

Sobre a obra

Uma crônica sobre o ser, sentir, fazer e fazer-se e realizar-se.

Sobre o autor

Uma pessoa que busca através do trabalho, da arte, da criatividade, manter-se coerente com a importância de viver.

Autor(a): JORGE CASTILHO DE ALBUQUERQUE ARAUJO ()

APCEF/GO