-Almoço tá pronto, vai cumê logo Roberto!

Gritou a mãe, que debruçada sobre o tanque do quintal lavava um trouxa de roupa enquanto mais duas trouxas de roupas esperaram na fila.
Da sombra daquele pé de manga, Roberto conseguia ver apenas os pés da mãe entre o vai e vem dos lençóis estendidos no varal.

-Mas a senhora não vai almoçar de novo? Perguntou ele enquanto levantava a perna para passar por cima de uma tábua de madeira que sua mãe havia colocado para que a nova cria de vira-latas do vizinho não entrassem em sua casa

- Eu já almocei, ela respondeu.

No alto de seus 9 anos de idade, Roberto não conseguia entender como sua mãe almoçava tão rápido, as vezes, até mesmo antes de terminar a comida ela dizia que já tinha comido. Outras horas, intercalava com o argumento que não estava com fome, apesar de ter apenas bebido o café preto pela manhã, como ela mesmo se referia.
Joana carregava estampada no olhar, aquela fé que um dia as coisas iriam melhorar, apesar de levar consigo no rosto, a pele sofrida marcada por uma infância de muita labuta na lavoura com aquele sol do sertão, que mais pareciam serem dois para cada um.

- Mas eu não vi a sinhora comeno!

Perguntou ele, em uma inocência esperançosa, de que talvez estivesse fazendo um favor ao tentar lembrá-la que ainda não havia almoçado.

- Deixe de pergunta minino, vai logo cumê!

O tempo então resolveu passar, passou, passou e passou!
Apesar de esperar a vida inteira, a vida não melhorou como esperava Joana.
Roberto, filho criado, pai de duas filhas, hoje entende a “fome que sua mãe nunca teve”.
E apesar de nunca ter lhe dito uma palavra sobre esse assunto, essa lição foi a que mais o ensinou a ser quem ele é hoje.
A herança que Joana deixou, número algum seria capaz de contabilizar.
E o que isso representa?
Pra ele, além da saudade que a velhinha faz, como carinhosamente diz, guarda em si, os valores que um dia lhe foi passado, e que o faz se considerar hoje o homem mais rico de todo o mundo.