A luz deslizava por entre a fresta da janela enquanto a brisa fazia dançar o véu da cortina crua. Lembrei de ti. Teu cheiro instantaneamente invadiu minha memória, teu gosto voltou à minha boca. Levantei embriagada por tuas lembranças e me segurei para não cair quando percebi que era só isso o que me restava de ti. A tua ausência me corrói a carne, me lancina o íntimo. Lavei o rosto sem a certeza de que isso me causaria alguma melhora. Olho meu reflexo no espelho, triste, pálida e sem vida. Sem saber que rumo tomar, sinto sua falta. Tenho meia hora para sair de casa e isso me parece quase nada, mas ao mesmo tempo uma eternidade naquele apartamento sufocante. Chego a sentir o som dos meus pés descalços sobre o porcelanato frio. Total vertigem. Bebi um café e abri a porta da rua. Há sol, mas só sinto o corte frio do vento em minha pele. Tinha febre. Atravessei a rua sem cuidado e alcancei a calçada oposta. Trôpega, esbarrei em um cheiro totalmente novo. Sem intenção, minha pele tocou e roçou alguém que ainda não conhecia. Uma mão suave me amparou e, mesmo sem saber, me reavivou. Ao levantar, a luz que antes me ofuscava me revelou um rosto amável, acolhedor. Um leve sorriso me resgatou da queda livre em que estava. Voltei à superfície e respirei profundo. Agora já não pareço carregar o peso que trazia. Estou viva.