Talentos

Crepúsculo

Crepúsculo

Na boca da noite habitam mistérios e segredos. Tudo se sincroniza com as nuvens cinzentas que rodopiam ao sabor dos ventos no céu. A noite soturna, estranha e fria, faz calar na minha alma dúvidas sobre o porvir. Falo de meus medos numa conversa íntima com a solidão que habita meu ser inteiro.

O céu pardacento está de novo estranho e ganha pouco a pouco a escuridão. Permaneço calado, pasmo, diante da incômoda beleza das nuvens escuras que se avolumam carregadas de chuvas, empurradas por lufadas de ventos que rondam por toda parte. É um céu de breu que não me permite especular - a noite escura não é vazia de modo algum. É insondável nas profundezas que pode ter mais coisas que as esparsas estrelas no céu.

Dá-me um desassossego quando o vento frio fica em aparente calmaria. Na imensidão do tempo, não consigo encontrar o abrigo de teus olhos ingentes, tão negros e impuros que sempre estiveram a me espreitar. Impuros porque não haveria, de modo algum, necessidade de serem imaculados ou castos.

Agora o céu me engolfa. Faz-me sentir envolto de um jeito que me sinto tão pequeno, e nem vejo mais a tua mão chegar. Só me resta desamparo, o vazio, a solidão. Nenhum consolo.

O vento faz escárnio, crispa-me os pelos, me doem os ossos. Faz tanto frio no abandono e não há nenhum riso. Resta-me ficar ensimesmado sem nada fazer.

Mas logo tudo estará lúgubre, úmido, em sintonia com o caos que se descortina há dias no meio daquelas pesadas nuvens sinistras que se movem lentamente com o vento.

Os últimos raios de sol que pude ver antes da noite conferiam desconcertante beleza àquele firmamento. Um paradoxo. De todo modo, ele agora mais parece um alçapão, uma boca escancarada pronta para devorar tudo que estiver pela frente. Ainda restam raios mornos rasgando o clarão da palheta de cores pastéis no firmamento e deve trovejar hoje, claramente, num sinal de ira dos céus.

Às vezes, aquelas nuvens são de um tênue azul celeste e se confundem com o fundo vermelho-laranja esmaecido que, aos poucos, se esvanece como fumaça. Sei que logo se tornarão gris e se assomarão, matizando os últimos lampejos do ocaso. É um espetáculo que não deixa de ter apelo de beatitude e comiseração. É que o coração se sente diminuto diante desse templo de beleza desconcertante que tanto mortifica, ou nos faz redimir, transcender em sentimento de súplica e quase devoção. Porém, basta demorar o temporal passar para que nos enchamos de dúvidas. - Oh, Pai, onde estai? Teu filho desgarrado agora te suplica! Somente até se sentir confortável. Depois não.

Mas me permito olhar para dentro daquela boca cheia de névoa e gás sufocante, onde uma luz esmaecida me atrai como se quisesse me escoimar e depois levar para dentro daquele feitiço. Ela me arrasta como um imenso imã, um redemoinho de ventos que se fecha como sepulcro do fim da tarde, antes que a chuva caia em contas de lágrimas de um céu enigmático que aos poucos vai me deixando completamente vazio.

- Ah, essa estranha onda de nuvens negras pairando sobre mim! Me sinto indefeso, contrito, encolhido como feto. Não tenho mais forças, nem intelecto para resistir. Por fim, lanço meus olhos resignados ao céu gris em um último lamento. - Seja o que Deus quiser! Agora que a noite se apossou inteiramente de mim sei que não verei mais a claridade. Nenhuma luz. Nem o firmamento. Nem teus olhos negros ingentes. Não há mais espaço para a chama. E talvez o dia jamais amanheça e eu fique dentro dessa noite escura onde só vazio e a solidão me preenchem. Talvez eu fique preso para sempre dentro dessa morada de nuvens claustrofóbicas e fria sem me sentir mais gente.

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Inspiração

A ideia surgiu voltando para casa numa tarde de pôr do sol com ar de chuva.

Sobre a obra

A ideia surgiu voltando para casa numa tarde de pôr do sol com ar de chuva. O conto está ambientado nos movimentos soturnos dos ventos quer trazem a chuva alterando o estado de ânimo do personagem que começa a pensar sobre o tempo e sua condição humana de viver em meio aos medos.

Sobre o autor

Gosto de escrever contos e de buscar um ângulo novo de mostrar uma imagem.

Autor(a): CELIJON ABREU RAMOS (CELIJON RAMOS)

APCEF/MA