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O Sacrossanto
A visão de Junior está turva. Ele tenta se manter consciente, brigar contra a força que adentra seu corpo e mente, mas é impossível! Seus olhos parecem não o obedecer, ele quer abri-los, mas eles querem ficar fechados, para que a única coisa que ele enxergue seja seu próprio interior. A sensação física que ele tem é como se descesse de uma montanha russa, mas ele está ali sentado numa cadeira feita de cipó, embaixo de um galpão sem paredes ou portas, ao lado de sua esposa e de um monte de gente que ele não conhece. A última coisa de que se lembra, é que ouviu, uns 40 minutos antes, alguém falar: ‘’ Que me leve para o caminho da luz, amém, Jesus”.
O silencio que paira no ar é grande, escuta-se apenas o cricrilar dos grilos e coaxar dos sapos. É uma noite fria de terça feira.
De repente, um homem denominado mestre, sentado na fileira da frente (do que parecia ser uma tribuna de honra), vestindo camisa e calça verde, sapato branco e com voz suave, junto a outros homens a quem chamava de irmãos, pergunta se todos estão bem e começa a cantarolar um mantra que diz: ‘’A estrela do Oriente quando apareceu, ela veio anunciando onde o salvador nasceu, é quando os três reis magos, visitaram o rei dos judeus, o verdadeiro homem é o filho de Deus’’.
Enquanto o mantra vai sendo entoado, Junior começa a ver em sua mente diversas cores que dançam de forma harmônica e suave, que logo depois se fundem formando novas cores, trazendo a ele uma sensação de paz, serenidade e felicidade. Ele sorri discretamente e aos poucos começa a se entregar e relaxar, deixando que os mantras cantados pelo mestre fluam pelo seu corpo. A sensação é ótima, algo que ele nunca havia sentido antes, completamente indescritível. Aos poucos ele tem a sensação de que sua alma começa a flutuar e ele viaja para dentro de si.
No começo dessa viajem rumo ao desconhecido amago de seu ser, ele ouve uma voz feminina, que nunca tinha ouvido antes, mas ao mesmo tempo lhe parecia familiar, que sussurra em seu ouvido: “ vou tirar tudo de ruim que tem dentro de você”. Nesse momento ele tem a visão de uma mão entrando em seu estomago e puxando algo preto e viscoso, como um lodo ou algo parecido, aquilo lhe traz medo e desconforto, ele sente um gosto amargo na boca, como se algo realmente tivesse saindo de dentro dele. O que seria aquilo? Seria toda a sua raiva, fúria e rancor reprimidos? Estaria ele sob o domínio de algum mal? Seria o resultado das feridas que causou a outras pessoas? As perguntas vêm como a força de um furacão, todas elas sem respostas. Ele tenta se acalmar, mas é difícil, sua respiração é forte e ofegante, ele começa a suar, mesmo estando 13 graus.
De repente um clarão aparece em sua mente, como se ele fora transportado para o nada, para o vazio, como se todo sua vida e pensamentos tivessem sido reiniciados, zerados, tal qual um computador formatado.
Após isso, imagens e pensamentos vem em sua cabeça de uma forma alucinantemente rápida, como se fosse alguém trocando canais de uma tv, no qual não se ouvia nem se via nada, além de flashes. Ele se sente confuso, tonto, com náuseas, queria que aquilo parasse, mais seu espirito via que aquilo era necessário. A batalha entre corpo, mente e espírito era feroz.
Foi quando ele se vê dentro de uma igreja, mas é como se fossem 2 de si, um observando atentamente da porta e outro em frente ao púlpito, como se fosse consciência versos matéria. Ao lado do seu eu que estava em frente ao púlpito, se encontrava Jesus, que firmemente lhe indagava: “ Como é que você quer que eu atenda suas preces se você nem ora para mim? ”.
Nessa hora ele abre os olhos, vê a energia que flui do seu corpo, como se fossem ondas magnéticas, tenta levantar, mas não consegue, seu corpo todo treme, então pensa: “Não! Eu não sou digno que o criador venha falar comigo. Sou um pecador, um blasfemo, um impuro’’.
Seu corpo não resiste a tantas informações e ele começa a vomitar. Logo é amparado por um dos homens que estava na tribuna de honra, que o leva para uma área um pouco mais afastada para que ele possa respirar um pouco. O homem o põe sentado, traz água e papel toalha para que ele se limpe, e o conforta dizendo: ‘’Calma. Respira. Isso é normal. Você é um privilegiado, poucas pessoas sentem o que você está sentindo nesse momento. Está tudo bem’’.
Ele recobre um pouco da consciência, olha para o homem com um olhar de agradecimento, mas nada consegue falar. Ele abre a boca, mas as palavras não saem, é como se estivesse em transe. Ele via tudo, ouvia tudo, mas não conseguia se expressar.
Após 20 minutos, tentando se recompor, o homem o leva novamente para o galpão. No caminho, ele percebe que outras pessoas também estão com náuseas e pensa: ‘’O que eu estou fazendo aqui? Por que me propus a isso? ’’
Ele senta novamente em sua cadeira, se sente um pouco melhor e tenta meditar, assim como todos ao seu redor. Ele fecha os olhos e se entrega novamente a força.
Ele não pensa em ter filhos, nunca pensou, na verdade, mas ao fechar os olhos novamente vê uma menina, em pé, num bercinho rosa e branco, que lhe sorri e olha como quem diz: “ Oi, papai”. Seria aquilo um pressagio? Estaria o futuro daquela criança ligado a ele? Seria ela um anjo salvador? Novamente as perguntas lhe afligem.
O tempo parece voar, já são mais de meia noite, ele lembra que havia chegado nesse local misterioso as oito da noite. Tudo passou tão rápido, sua consciência estava em outro lugar, pareceu que 4 horas foram apenas alguns minutos.
Então o mestre fala: ‘’ Está na hora de expulsar a força’’, e finaliza com um mantra que diz: vou banindo pela terra, vou banindo pelo fogo e mar, vou banindo para purificar...’’
De pouco a pouco, Junior sente que toda aquela energia, toda aquela gama de pensamentos, vai indo embora. Ele sente leve, em paz, como nunca antes acontecera em sua vida.
É assim que ele se sente após essa sessão, após comungar pela primeira vez do chá milenar, vindo dos tempos antigos, com relatos de sua existência a mais de 5 mil anos, utilizado por reis, sábios e guerreiros.
É assim que ele se sente após comungar da Ayahuasca.
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Inspiração
Baseado em fatos reais, assim foi um pouco da minha experiência com o sagrado...
Sobre a obra
Sem técnicas, apenas sentimentos.
Sobre o autor
Sou membro correspondente da Academia dos Poetas Acreanos, autor do livro Poesias de Sofá e campeão nacional do Talentos Fenae 2017 nas categorias Poesia e Contos e Cronicas.
Autor(a): ADOLINO SILVEIRA JUNIOR (Adolino - A Lenda)
AC