Talentos

Meu Amigo Japonês

Meu amigo japonês

Ryu se foi deste mundo, e eu, a oitocentos quilômetros, não me despedi de meu amigo japonês. Na verdade, brasileiro, filho de japoneses, mas, para mim, sempre, o japonês.
Fiquei sabendo por amigos.
Ryu era uma pessoa muito divertida, adorava contar piadas, ria de si mesmo, estava sempre feliz e pronto para ajudar quem precisasse. Era uma figura. Nunca vou me esquecer das suas.
Trabalhávamos juntos e ele, às vezes, vinha de carro ao trabalho. Na saída, entre troças e brincadeiras, ia conosco para o ônibus, esquecia que tinha vindo de carro e só percebia em casa, quando Nara, a esposa, perguntava:
– Houve algum problema com o carro? Por que veio de ônibus?
– Putz, esqueci!
Uma vez chegou para trabalhar com um sapato preto de bico quadrado em um pé e outro marrom, de bico fino, no outro. As pessoas passavam pela mesa dele, saíam rindo e mostravam a outros. Cheguei à nossa sala de trabalho e vi todos rindo, perguntei o motivo. Quando me contaram, fui imediatamente a ele e disse:
– Ryu, olha para seus pés!
– Caramba, como eu consegui fazer isso? Ah ah ah ah ah.
Ligou para casa:
– Nara, por favor, encontra aquele meu sapato marrom de bico fino e traz para mim.
Daí a pouco, Nara liga de volta:
– Ryu, só achei um pé...
– Isso mesmo, traz para mim.
Nara já chegou em nosso trabalho rindo, com o pé de sapato na mão. Ela era divertida como ele. Achava muita graça de tudo o que o marido aprontava.
Quando ele descobriu que eu sou descendente de portugueses, começou a me contar piadas de português, todo dia tinha uma nova. Mas chegou o dia em que eu o brequei, antes que ele dissesse algo, já fui falando:
– Hoje não quero saber de piadas de português!
– Mas...
– Nem mas nem meio mas!
– Está bom, então hoje vai ser diferente. Era uma vez dois japoneses, Joaquim e Manoel...
Nós dois tivemos um acesso de riso. Éramos amigos de verdade.
– Você não existe, japa.
Mas do que ele gostava mesmo era de contar estórias de sua família e piadas de japoneses, dizia que era uma forma de rir de si mesmo.
Sempre vou me lembrar de uma estória da avó dele que, um dia, foi à feira, e a vendedora querendo ser simpática e ajudar com a língua ao ver que ela falava quase nada de português, disse:
– Já está a falar bem o português. Quanto tempo no Brasil?
E a velhinha com dificuldade:
– Corenta ano, né?
E ele ria disso. Também ria dos nomes das tias:
– A palavra para tia em japonês soa algo como baiano e o parentesco é dito após o nome, então, à minha tia Keiko posso chamar “Ké í c’o baiano”, tia Fujiko, “Fugi c’o baiano... Ah, e tem a tia Mitiko...
– Ah ah ah ah ah...
E emendava com as piadinhas:
– Como se diz cobrador de ônibus em japonês?
– Não sei.
– Tanaka traka.
Eu ainda rindo:
– E hemorroidas?
– ...
– Ku xai xang.
– Ah ah ah ah ah. Como você é bobo, japa!
E assim ia, minha barriga doía de tanto rir.
Saudade de tudo isso. O tempo passou, mudei de cidade, não nos vimos mais por anos.
Vai em paz, meu camarada! Sempre me lembrarei desses momentos de boas risadas contigo. Um dia nos encontramos aí do outro lado! Vai renovando seu estoque de estórias engraçadas...

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Inspiração

Saudade de um amigo que se foi.

Sobre a obra

Crônica.

Sobre o autor

Apreciador de arte, aproveito meu tempo livre para escrever, desenhar, pintar e fotografar.

Autor(a): JOAQUIM MARCELINO DE ANDRADE NETO (Joaquim Marcelino)

APCEF/DF