Talentos

Uma caminhada de autoconhecimento

Uma caminhada de autoconhecimento
Markinhos Libardi


O ambiente estava escuro e não se ouvia barulho algum e eu não conseguia enxergar nada além de 10 metros a minha frente. Tudo parecia estranho e eu tinha uma sensação de vontade enorme de fazer aquilo e uma insegurança dos perigos que não saíam da minha cabeça.
Estacionei o carro e falei pra mim mesmo:
- Se eu quero fazer isso, tenho que ir agora sem olhar pra traz.
E fui.
Meus passos ecoavam solitários pelas matas que margeavam a estrada e na minha solidão profunda eu só pensava que se eu conseguisse, eu estaria dando um passo enorme com aquela caminhada.
Era uma madrugada de um dia qualquer e eu estava percorrendo a pé um trecho de aproximadamente 20 km da estrada que liga duas cidades pequenas no interior do estado do Espírito Santo.
Como era um completo iniciante nesta empreitada, planejei todos os detalhes do que eu teria que fazer para completar aquela aventura que eu tinha me disposto a realizar.
Escolhi cuidadosamente a roupa e o calçado que teria que usar. O frasco de água e o biscoito que eu engoliria no caminho. A camisa que eu trocaria durante o percurso para não ficar encharcado de suor. Tudo que eu me lembrava que pudesse acontecer, mas que eu teria que resolver sozinho na madrugada escura, sem ninguém para me assessorar.
Despi-me de todo o meu orgulho e falta de humildade para atravessar aquele trecho a pé onde eu pretendia esquecer toda a rotina corrida dos meus afazeres para me dedicar exclusivamente aquele momento.
O ego e a estupidez desprezível podem te enganar e lhe fazer pensar que sabe tudo e que não precisa de nada.
Eu não tinha com quem conversar, pra quem telefonar, não podia fazer barulho. Além de caminhar, tudo que estaria ao meu alcance naquelas próximas horas era ouvir e meditar. Duas tarefas complicadas e raras do meu cotidiano.
De vez enquanto passava um caminhão de carga que sempre me assustava. Os pensamentos voavam como os pequenos pássaros que se assustavam com a minha chegada perto das árvores. E se me atropelassem? E se eu encontrasse um bandido? Um boi bravo? Um fantasma (mas eu não acredito em fantasma!).
De repente, depois de já estar caminhando há alguns minutos, ouvi uns latidos raivosos e fortes de uns dois ou três cachorros que eu não conseguia enxergar, mas que entendia perfeitamente que estavam a uns 100 metros de distância.
- Será que vou ter que lutar com esses cachorros como no livro do Paulo Coelho? Será que é uma provação inicial de um demônio transformado em cachorro para me testar? Pensei rapidamente.
Mas eu tinha um objetivo a alcançar e não iria voltar do meu propósito por causa de um agravador que eu nem estava realmente vendo. Lembrei-me do livro onde falava que você deveria encarar o seu inimigo para que ele não desconfiasse que estivesse com medo dele.
Agachei-me e peguei três pedras para me proteger e, sem parar, resolvi continuar caminhando. Neste momento percebi que, apesar de pensar estar caminhando ao encontro dos cachorros, os sons de seus latidos estavam ficando mais longe e quando eu passei exatamente aonde imaginei que eles estavam, ouvi os latidos mais longe ainda, no alto de uma montanha próxima e pude perceber que eles é que estavam com medo da minha presença e se afastaram para se proteger.
Meu deu uma sensação de alívio, mas ao mesmo tempo confirmei que o fato de eu me mostrar forte foi fator decisivo para enfrentar o problema que havia surgido e afugentar o perigo.
Eu percebi que o ambiente visível pode invadir nossa mente através de modelos pré-concebido, mas não precisamos acreditar sempre neste molde.
Bom, lá estava eu.
- Mas exatamente o que eu estava fazendo ali? Era a pergunta que me vinha a todo instante.
Na verdade nem eu sabia a resposta correta. Eu sabia que era um desafio para eu imaginar todas as minhas boas intenções e como elas poderiam se transformar em ações do dia-a-dia.

Minhas pernas iam me levando com tanta facilidade que imaginei que eu seria capaz de terminar o percurso com duas horas de duração. Mais tarde eu constataria que estava completamente enganado. Eu gastaria quase quatro horas para terminar a minha jornada.
Os desafios nos transportam, nos puxa do nosso aconchego para nos fazer arriscar. É uma maneira de provocar nossa concepção além dos padrões convencionais.
Mais um caminhão pra cá e outro pra lá e o dia começou a clarear.
Foi uma sensação incrível ver o dia iniciando o seu ritual de amanhecer que eu tentei por alguns minutos me lembrar de qual tinha sido a última vez que eu tinha presenciado aquela rotina da natureza. Mas foi em vão.
Agora as pessoas também cruzavam o meu caminho. A maioria de bicicleta provavelmente eram trabalhadores seguindo para mais um dia de labuta. Alguns respondiam meu cumprimento e outros passavam mais distantes.
Eu não tinha relógio e havia resolvido desligar o telefone celular justamente para não ficar ligado a nada. Queria apenas reparar em tudo ao redor. Um pequeno riacho, uma casinha lá no meio do mato ou uma árvore um pouco diferente. Cada detalhe pra mim tinha uma importância muito grande por que eu já conhecia aquela estrada passando de carro corriqueiramente.
Dirigindo, com vidros fechados e pensando em outras coisas, não dá para sentir as mensagens que a estrada nos mostra.
Lembrei-me que um dia estava indo para uma cidade do litoral do estado do Rio de Janeiro e começou a chover tanto e com muitos raios. Eu, ao contrário dos outros motoristas que amaldiçoavam aquele momento, simplesmente parei o carro para contemplar a trovoada. Foi maravilhoso. Os relâmpagos faziam figuras no céu. As nuvens quase que caíam na terra. As árvores pareciam estar sorrindo por tomar aquele banho gostoso. Tudo era lindo.
Agora eu estava sozinho caminhado, vendo o dia clarear e percebendo a vida brotando dos lados da estrada.
Em nenhuma outra parte do caminho encontrei outros cachorros que se apresentassem para latir diante da minha presença. Foi como se aqueles cães do início da caminhada tivessem espalhado por toda a redondeza que eu era forte e que não adiantava tentar me intimidar.
Parei somente uma vez para comer os biscoitos e trocar de camisa. Eu estava bem. Estava provando para mim mesmo que quando a gente quer uma coisa, as forças aparecem. E eu queria muito aquilo.
Eu não tinha ideia de que horas eram, mas sabia que havia gastado mais tempo do que imaginei. De repente quando eu já estava bem perto, queria andar mais rápido para chegar logo.
Naquele momento eu só tinha um objetivo: Alcançar o final do meu planejado.
Cumprir meu propósito com engajamento sincero ajudou na minha compreensão de mim mesmo e um pouco do que acontecia ao meu redor e me desvendou essa disposição para aprender ainda mais com nossas intenções, como terminar essa elementar caminhada.

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Inspiração

Lembrei de uma caminhada que fiz há algus anos que me ensinou muito.

Sobre a obra

Ultimamente tenho pensado na possibilidade de escrever um livro e acredito que iniciar aprimorando um conto pode ser um caminho. Um caminhada de autoconhecimento.

Sobre o autor

Compõe música desde a infância.
Sou mais da área da música, mas não podia deixar escapar essas lembranças.
Locutor de rádio e produtor artístico na década de 80.

Autor(a): MARCOS FRANCISCO LIBARDI DOS SANTOS (Markinhos Libardi)

APCEF/ES