A Jazzarina

É! Eu também sei! E insisto em dizer para o meu Pai; mas ele sempre diz que: “_se quem faz balé é ballerina ou bailarina, então, quem faz jazz é jazzarina’!”
Bom. A história toda começou, mais ou menos, assim:
Meu nome é Júlia, e eu sou uma dançarina de Jazz. E é assim mesmo, dançarina de Jazz. Afinal de contas, eu danço Jazz; e não faço Jazz, como diz o meu pai.
Antes eu era bailarina mesmo, e era a mais bela e graciosa dentre elas. Meu pai achava que eu era uma estrela saída do céu direto para o palco.
Enquanto dançava balé, fiz várias apresentações. Achava que todas eram lindas, mas tinha a impressão que minha mãe não achava, porque ela chorava todas as vezes que eu entrava no palco. Depois ela me explicou que era de alegria. Achei engraçado: chorar de alegria, mas tudo bem, gente grande é assim mesmo. Hoje eu entendo isso melhor.
Comecei dançar balé com três anos, na mesma academia em que eu fazia natação. Eu era pequenininha.
A primeira apresentação da minha turminha aconteceu pouco depois que a mamãe fez minha matrícula. A tia, dona da academia, tinha explicado pra mamãe que não daria para eu participar, porque a coreografia já estava sendo ensaiada com as outras meninas.
Tudo bem. Eu nem sabia mesmo o que era apresentação! E a mamãe também entendeu.
Depois de minhas primeiras aulas, a tia falou para a mamãe que eu já dançava como as outras menininhas da turma – o papai fala que eu dançava melhor, mas esse é o mundo dele – e que eu só não iria apresentar porque não dava mais tempo de fazer minha fantasia. Isso mesmo, fantasia! Afinal, quando estamos no palco, nos transformamos em super bailarinas, com a doce tarefa de fazer todo o teatro dançar conosco em seus pensamentos e emoções.
Enfim, depois dessa apresentação, que eu não participei, fiz várias outras; algumas como bailarina e outras, até, como princesa. Um sonho!
Mas aí, eu fui crescendo e trocando o meu amor pelo balé por uma dança que eu via as meninas maiores fazendo: Jazz. Aquilo era incrível! E eu adorava ver a Bruna dançar. Bruna é uma menina linda lá da academia, que dança jazz como gente grande.
E assim, eu resolvi que não queria mais dançar balé, e sim, jazz. O papai não gostou. Diz que dança linda mesmo para menina é balé. Até me falou que das alunas que ele teve nas aulas de filosofia dele, as mais lindas e elegantes eram as que faziam balé.
Meu pai é assim mesmo, fala um tanto de coisa para tentar fazer eu fazer as coisas que ele quer que eu faça. Mas não deu, dessa vez. Fui dançar jazz.
Já nas primeiras aulas vi que era aquilo mesmo que eu queria. É muito legal! Bem mais rápido que as aulas de balé. E o melhor de tudo, a tia é a mesma, e tem um monte de coleguinhas que eu já conhecia do balé. Enfim, adorei!
Na academia, as aulas de Jazz só acontecem uma vez por semana, mas, mesmo assim, é um show! Nós nos divertimos muito durante as aulas. E como nem tudo é diversão, no jazz também tínhamos que ensaiar para as apresentações que, quase sempre, aconteciam no teatro de minha cidade.
Eu adoro os ensaios, a música, os passos, o grupo, a expectativa, a preparação .... é quase igual a festa de aniversário, só que, enquanto nas festas de aniversário nós esperamos para ver os presentes que iremos ganhar, numa apresentação esperamos para nos apresentar.
Nos tornamos presente diante daquele tanto de gente que está lá só por nossa causa.
Nos tornamos o presente para toda aquela gente que se encanta com nossa dança, como se essa dança fosse o mais desejado presente no dia do aniversario da gente.
Minha primeira apresentação de Jazz, eu sei, vai ser inesquecível para muitas pessoas importantes para mim; e que se importam muito comigo: o papai, a mamãe, as vovós e a madrinha, que continuam chorando toda vez que apareço no palco. E desta vez, terá também minha mais nova admiradora, que apesar de eu saber que é muito novinha para memorizar, eu adoraria que jamais esquecesse essa apresentação: minha irmãzinha Sofia.
Meu papai diz que memorizar e quando nossos sentidos escrevem alguma coisa numa parte arrumadinha e enorme do nosso cérebro, onde vamos sempre que precisamos para vermos o que era mesmo aquilo que foi escrito. E ele disse também que a Sofia ... bem, depois eu conto.
Não sei exatamente o porquê, mas na nossa apresentação eu fui a única que teve duas participações sozinha. O papai sabe porque: “porque você é a jazzarina mais bela e graciosa de todo o mundo, Júlia, meu bem!” Mas eu acho que é porque sou a que mais gosta do que fazemos. É como se eu dançasse com a alma, como diria o papai.
Enfim, chegou o dia da minha primeira apresentação de Jazz. Eu dancei sozinha a introdução da música! A mamãe já não enxergava quase nada por causa das muitas lágrimas, apesar de todas as luzes do palco estarem sobre mim. Mas, segundo o papai, nem mesmo todas elas juntas seriam chamadas “luz”, se fossem ser comparadas com a que brilhou nos olhos da Sofia quando ela viu que aquela que estava no palco, sozinha, dançando como uma deusa que saía da escuridão do Caos, era eu.
O papai diz que ela parecia nem respirar. Aquilo era grandioso demais para ela compreender. Ela já tinha visto um punhado de outras danças naquela mesma noite, de gente grande e de gente pequena, até menor que eu. Batia palmas para todas. Mas, quando eu entrei ... nossa! Nem o papai sabe transformar em palavras o que ele viu acontecer naquele momento que os olhos da Sofia tocaram meu corpo, e minha alma, sob a luz daquele palco. A palavra mais próxima que conseguiu chegar foi essa: mágica.
Enfim, mais uma vez minha apresentação foi linda. Minha postura, posição, pernas, braços e mãos estavam perfeitos, como a mais bela e graciosa jazzarina do mundo. Uma verdadeira estrela saída do céu direto para o palco, e agora, que a apresentação acabara, uma estrelinha saída do palco direto para o enorme amor que é a constelação de minha família.
Reverências em agradecimento ao público e ... tchau!

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Inspiração

A ideia e a motivação para criar a obra, surgiram da vontade de retribuir à minha filha toda a alegria e o satisfação que ela me proporciona, em sua simplicidade e amor de criança pelas cores do mundo e as coisas que brilham.

Sobre a obra

A obra é um breve resumo de todos os sentimentos que ocupam minha mente quando estou diante da grandiosidade das pessoas que amo. A técnica usada foi de sintetizar alguns apanhados de momentos e conversar com minha filha.

Sobre o autor

Sou muito família, muito casa, curioso e amante da vida e das coisas deste e de outros mundos. Gosto de observar as pessoas e suas ações, aceito muito bem a diversidade, acreditando que é nela que está a beleza do que conhecemos. Creio que tudo tem um propósito; somos pequenos demais para poder entendê-lo, e grandes demais por poder desfrutá-lo.

Autor(a): RICARDO DO NASCIMENTO ALMEIDA (Pedro Augusto Filho)

APCEF/MG