Talentos

A troca

A troca

Sabe quando os irmãos são bem diferentes um do outro? De vez em quando vem aquela idéia maluca: será que ele foi trocado na maternidade? Você é sensata e cordata, seu irmão é espivitado e muito sarcástico, você tem pele morena e cabelo cacheado, seu irmão é branco e tem um cabelo mais fino. Nada do que aconteceu em nossas vidas enquanto crescíamos, por mais diferente que sejamos nos preparou para esse dia.
Apesar de sempre ouvir minha avó paterna falando sobre a origem da minha irmã do meio, nunca levamos a sério nada do que falavam. Meus pais se separaram quando éramos muito pequenas, eu sou a mais velha e tinha 5 anos de idade. Mas quando minha irmã engravidou aos 17 anos, ela fez os exames pré-natal e descobriu algo bem estranho: o tipo sanguíneo dela não é compatível com o do meu pai. Aí começou o martírio de minha mãe. E por mais que falassem ela só respondia ao meu pai: Se ela não for tua filha, também não é minha. Só que naquele tempo, teste de DNA era inacessível para nossa família. Os anos foram se passando e o conflito familiar aumentava cada vez mais, e como minha mãe era técnica de laboratório, e trabalhava no Banco de Sangue da nossa cidade, ela tinha contato com muitos hematologistas, e um dia veio um grande hematologista de outro estado para dar um curso aos funcionários da instituição. Minha mãe contou sua história e ele fez mais um teste no sangue dos três: meu pai, minha mãe e minha irmã. Ele foi categórico em dizer que não havia possibilidade da minha irmã ser filha dele, ao que ela respondeu o de sempre: se ela não for tua filha, minha também não é! Dessa vez o conflito foi maior, e meu pai ficou muito bravo com minha mãe e disse a ela que a proibia de ir atrás do pai da filha dele. Mais alguns anos se passaram e infelizmente meu pai sofreu um acidente de moto e não resistiu, e com a tristeza da perda passamos alguns anos sem falar no assunto. Mas como todos os fantasmas tendem a voltar a assombrar as melhores famílias, tanto minha irmã martirizava minha mãe, querendo saber quem era o pai dela, como minhas tias, irmãs do meu pai, culpavam minha mãe pela morte dele, dizendo que ele viva triste e deprimido por saber que minha irmã não era sua filha, que tomava remédio controlado por isso, e que o motivo do acidente foi ele ter misturado o remédio com bebida alcoólica e ter perdido o controle da moto, como se ele nunca tivesse bebido antes. Foi aí que não deu mais de segurar, e nesse momento os testes de DNA apesar de ainda serem muito caros já eram mais acessíveis. Consegui convencer as duas de realizar o exame. Minha irmã dizia que minha mãe não ia querer fazer o exame e minha mãe não pedia pra fazer pra não magoar minha irmã. Só que não existe nada pior do que viver na dúvida, pelo menos pra gente que estava meio que de fora desse conflito todo. Então decidimos fazer o exame de DNA e lá fomos nós quatro: minha mãe, eu e minhas duas irmãs, a que tinha a dúvida e a caçula. Depois que perdemos meu pai ficamos mais unidas e resolvemos fazer isso juntas, tínhamos a esperança que iríamos chegar no laboratório, colher o sangue e como um passe de mágica o exame ficaria pronto e já saberíamos o resultado. Imaginem a nossa decepção quando descobrimos que o resultado só ficaria pronto depois de 1 mês! Isso mesmo, o teste não é feito aqui em nossa cidade, o material é lacrado na frente das pessoas e é enviado a outro estado para que seja realizado o teste.
E depois de um mês lá estávamos nós quatro para receber o resultado do exame. Minha mãe, calma, serena e tranquila, tendo a consciência limpa de quem não tinha traído o marido, minha irmã uma pilha de nervos para saber que minha mãe era realmente sua mãe biológica e que ela teria que confessar seu pecado e dizer quem era seu pai de verdade. Naquela sala, a recepcionista entrega dois envelopes, um para minha mãe e outro para minha irmã. Cada uma leu e viu o que queria, minha irmã enxergou que ela era filha biológica da minha mãe, quando o resultado dizia exatamente que MARIA DO SOCORRO NÃO É MÃE BIOLÓGICA DE WANGELA. O chão dela desabou... Nunca imaginei que ela ficaria tão abalada com esse resultado. Para mim nada havia mudado, e para nossa irmã caçula também tenho certeza que não. Nós éramos irmãs! Crescemos juntas, brigamos muito, brincamos bastante, tivemos uma infância muito boa, mesmo com as dificuldades que a vida apresenta. Mas para ela foi como se toda a vida dela tivesse sido uma mentira. Saímos do laboratório com um misto de alívio e tristeza e fomos entregar a notícia a todos os envolvidos. Primeira parada: casa da minha avó materna, e ela muito aliviada disse que confiava na minha mãe, mas também falou para minha irmã que ela não se preocupasse, que ela era a netinha dela e sempre seria. Segunda parada: casa da minha avó paterna. Lá o objetivo era liberar minha mãe de qualquer culpa que podiam pensar que ela tinha sobre os problemas que meu pai carregava. Ela mais que ninguém foi vítima desse erro. Ela sofreu injúrias durante toda a vida por acharem que minha irmã foi fruto de uma traição. Todos olhavam para ela como se fosse culpada pela morte do meu pai.... E assim terminamos essa jornada com a certeza que minha irmã foi trocada na maternidade no primeiro dia de vida dela. E apesar de todas as implicações para ela, que sempre se achou a ovelha negra da família, para mim não havia a menor diferença. Somente a justificativa de porque ela sempre foi assim tão diferente, porque as suas atitudes não condiziam com as minhas, mas todos somos diferentes, não é mesmo?

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Inspiração

Minha irmã foi trocada na Maternidade no dia em que ela nasceu. Isso sempre me pareceu um conto de terror. Assim, me inspirei na nossa história para desenvolver esse conto.

Sobre a obra

Resgatando um pouco do talento para escrever que tinha na escola, o qual deixei de lado para fazer redação oficial no trabalho. Narrativa direta de fatos.

Sobre o autor

Comecei a participar do Talentos com desenho infantil, feito pelas minhas filhas. Comecei a acrescentar fotos, que eu sempre gostei muito. Minhas filhas cresceram e agora não podem mais participar. E eu resolvi me aventurar em outras modalidades.

Autor(a): WANIA MARIA DANTAS DA SILVA RAMOS (Wania Ramos)

APCEF/AC