Lá fora é noite.

Bateu a hora do silêncio.
A temperatura cai,
o trânsito cessa.
No meio da noite,
jaz o silêncio.

Eu queria gritar, correr, abraçar,
queria te ligar e ficar de papo.
Mas a noite não é tempo de verbos.

A não ser no pretérito.
Lembra quando cantamos?
Quando sonhamos?
Jogamos e nos jogamos...
Sei lá... aqueles dias eram lindos.

Mas agora, tudo é noite,
e todos dormem.
Há os que dormem de fato.
Os que o fazem eternamente.
E há os sonâmbulos passantes,
que não acordaram para a dor
de quem está acordado,
Tentando atravessar
essa noite tão assombrosa.

Não há monstros, nem terrores,
mas lá fora tudo é noite.

Cães ladram famintos.
Gatos tomam os telhados.
A névoa cobre a avenida,
enquanto ouço um choro.
Não de uma criança,
mas de um viúvo.
Chora a solidão de estar acordado,
enquanto todos dormem.
É uma dor compartilhada
de verbos no pretérito.

Ele chora a noite
que veio antes do tempo.
Chora o frio e o silêncio
chora a garoa e os cães.
Chora porque lá fora
tudo é morte.
Mas não para ele.
Para ele, resta apenas
o futuro do pretérito.

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Inspiração

Todos perdemos alguém no último ano. Alguns perderam tudo, enquanto outros perderam o senso de realidade.
Neste poema, quero discutir a depressão e melancolia de quem ficou para trás, na figura de um viúvo, um arquétipo de "masculinidade sobrevivente", que parece não ter lugar de acolhimento em nossa sociedade.

Sobre a obra

O poema trabalha inicialmente com uma ideia da noite como algo acolhedor, calmo e evolui, pela troca de termos, tempos e significados, para a melancolia e solidão.

Há algo "sob a pele", além do olhar. A intenção é que o texto evolua quando de sua releitura, sem ser enigmático demais durante a primeira.

Sobre o autor

Publico em plataformas digitais desde 2014.

Participo também de vídeos de resenhas e dicas de escrita no canal Papo de Autor, no YouTube.

Autor(a): PAULO ROQUE GOULART VALENTE (Lá fora é noite.)

APCEF/SP

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