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Corpos inertes
A sensação é assustadora.
Caído no chão, ele sente o Sol queimando seu rosto enquanto suas pernas não respondem.
Ofega, mas todo ar que puxa não é suficiente.
"O que está acontecendo comigo?"
Pensa em desespero, tentando gritar por socorro sem conseguir. Ao longe, ouve os gritos das pessoas que correm em todas as direções e por alguns momentos, se pergunta por que elas não o ajudam.
O suor agora queima seus olhos, mas não tem forças sequer para enxugar. Nem ele, nem suas lágrimas. Um cachorro se aproxima. Um pitbull, com coleira de cravos. Tenta falar algo, pedir ajuda, gritar por socorro.
O cão para ao seu lado, cheira seu rosto e seu corpo. Começa a rosnar e latir, cada vez mais alto. Um homem se aproxima, gritando o nome do cachorro, mas o garoto vê apenas sua sombra contra o sol. Tenta estender a mão, implorar ajuda, mas só o que sai de seus lábios é a sombra de uma palavra.
O homem se ajoelha ao seu lado, seu olhar é enérgico. Olhos de quem sabe o que fazer e o fará, em segundos. Olhos de quem já fez isso outras vezes.
Segura a cabeça do garoto, agora um corpo quase líquido. Enfia a mão no bolso e tira um aparato. Olhando ao redor, procura confirmar se alguém os via... estavam em uma parte afastada.
"Maravilha! – Pensa o homem. – Quando isso tem que acontecer, é claro que ninguém estará por perto."
Ele diz um comando ao cachorro, que corre de volta em direção ao prédio mais próximo.
Levanta o garoto, aproxima o aparelho de seu rosto e ativa, começando uma contagem mentalmente.
"Um..."
"Dois..."
"Três..."
...
...
Chacoalha o equipamento, manipula o corpo flácido da criança novamente e aperta mais uma vez.
— Um...
— Dois...
— Três...
Agora, um som fraco, chega aos seus ouvidos.
A criança luta.
Lutando por sua vida, com seus braços moles, mas luta. Um chiado vira um silvo e por fim, uma ofegada forte, de quem estava se afogando.
Ele abraça o filho, chorando. A criança ainda não consegue responder o abraço e seus olhos são puro terror...
— Eu te falei pra ficar somente onde te vemos, filho.
O pitbull chega, correndo. Um minuto depois, a mãe e um bombeiro.
Ela pega a bicicleta caída, enquanto o pai carrega o filho nos braços.
Vinte minutos depois, o garoto nem se lembra do episódio.
— Essa foi a décima quinta vez. Fala a mãe.
— Foi de longe a pior, mas eu não entendo por que você ainda conta...
— É inevitável, amor. Se você não o tivesse encontrado...
— Se o Han não o tivesse encontrado, você diz.
Eles ficam olhando o garoto andar na bicicleta. O parque não está tão cheio, o que é bom. Mas já é primavera e o pólen... Ah, o maldito pólen. Esta é a última semana de parque que ele terá até março, quando diminuirão suas crises de asma.
A mãe olha o celular e cutuca o marido.
— Anakin, temos que ir.
— Tudo bem. Eu chamo.
— Luke! É hora de ir pra casa!
— Ah, pai! Só mais um pouco!
Eles olham para a mãe...
— Só mais três minutos, hein!
— Você saiu da enfermaria rindo... O que foi?
— Ah, o de sempre! O bombeiro me chamou de “Dona Léia”...
— Tá pensando em mudar de nome?
— Claro que não! Você sabe que eu adoro a confusão... e mais ainda meu nome.
— Eu também, Uhura.
Eles se deitam na grama e ficam escutando Han e Luke brincando. Ignoram o alarme mais uma de vez, com seus corpos inertes debaixo do sol.
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Inspiração
Minha intenção era construir um final feliz.
Esse é o nosso desafio, diante do que temos agora. Imaginar finais felizes, a cada dia, é mais difícil.
Mas não existem finais, nem felizes, nem terríveis. Temos crises, lutas e derrotas, ou vitórias.
Precisamos sonhar dias felizes e lutar por eles.
Sobre a obra
A proposta era construir um suspense que conversasse com o leitor.
O que você vê, é realmente o que há para ser visto?
Uma narrativa de suspense exige que tudo tenha mais de um significado. Quanto mais óbvio, menos valor tem um signo. Uma palavra posta fora de lugar, uma inversão, pode entregar o suspense pela semântica.
Sobre o autor
Publico em plataformas digitais desde 2014.
Participo também de vídeos de resenhas e dicas de escrita no canal Papo de Autor, no YouTube.
Autor(a): PAULO ROQUE GOULART VALENTE (Roque Valente)
APCEF/SP
Obra não está disponível para votação.