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A CAÇADA FURADA

A CAÇADA FURADA

A data dessa barca furada, ou “tobata” o que mais a frente vocês vão entender se deu em dezembro de 2007, mas tudo começou seis meses antes, quando uma amizade improvável, surgiu entre um jovem de certa forma responsável e seu oposto, um amigo gordinho, engraçado, mentiroso e irresponsável que aqui vamos chamar de João, até porque era João mesmo.
João gostava de caçar e se gabava por ser dos bons, era o que dizia, tinha uma espingarda e até um cão de caça, o judas, mas como todo bom caçador um dia só contar histórias não é mais suficiente eles tem que arrastar alguém pra elas, e nesse caso quem caiu no conto do vigário fui eu.
Foi em um domingo, daqueles que eu poderia ter dormido até as onze horas, mas acordei as cinco da madrugada, segundo ele, estava tudo certo, alguns amigos marcaram uma caçada que ia ser marcante, o que entendi pelos arranhões marcados na minha pele ao fim do dia.
Eram cinco da manhã e todos acordados, indo em direção ao ponto de encontro, casa de um outro amigo que ficou de providenciar o transporte para os cachorros, sim porque ele tinha mais três, judas não caminhava sozinho nessa. Até aqui tudo normal até chegar no ponto de encontro, quando vi a configuração da armação mais inesperada da minha vida, era ali que eu devia ter pulado fora ou pelo menos logo após ouvir:
- João chega ai! seguinte; a vizinha ali da frente ficou viúva, tá vendo aquela tobata ali? falou ele se referindo a uma espécie de carro simples com carroceria de madeira, presa por uma cerca de tábuas. - Então ela tá vendendo, eu falei que ia arrumar um comprador, nos vamos lá vou falar que você é o comprador, e você fala que quer testar e se gostar vai fechar negócio.
Eu pensei: - Bom já vamos embora poque João vai dizer não a esse absurdo.
Foi quando eu ouvi o som das palmas, isso mesmo palmas, enquanto eu pensava no não, eles já batiam palmas em busca do sim! Eram umas seis da manhã, quando a dona da casa puxou a cortina da janela, mais uns dez minutos e ela saiu na varanda e ali mesmo entre João, seu amigo e a viúva, conversa vai, conversa vem e foi quando escutei:
- Mas tá boa mesmo? Porque por mil e oitocentos tem que estar funcionando, posso pegar pra fazer o teste do motor? Foi quando ela respondeu: - Pode sim!
Sim, foi fácil assim, pra mim ou ela estava precisando muito do dinheiro ou ela já queria desfazer da tobata desde a época em que o falecido ainda era vivo.
Mais rápido que o sim, foram os dois despregando a madeira da cerca pra tirar a tobata de lá. E aí foi um gira manivela daqui, gira manivela dali, e veio uns três roncos engasgados, mas forte dos que o João dava nos retiros que a gente ia. “Eu esqueci de comentar, mas éramos da igreja, o nome do judas não foi à toa” e voltando a manivela mais um ronco da tobata e a fumaça subiu.
Mal viraram a esquina, começaram a jogar as espingardas atrás do banco e os cachorros na carroceria, eram quatro ao todo, um motorista e um comparsa na boleia e o resto da gang indo de moto na cobertura, sim porque nessa altura do campeonato aquilo já era formação de quadrilha.
Eu logo pensei vou na minha moto, mais afastado e se a polícia parar esse povo eu passo reto como se não conhecesse, até porque conhecer mesmo eu só conheço o João e o judas, que ia mesmo era rodear seu dono, pensei; pronto achei minha margem de segurança e fui.
Foi uns quarenta minutos de estrada e enfim chegamos a fazenda, desce cachorro, pega espingarda, chama cachorro que já corria atrás de galinha, e reparte as espingardas, foi nessa hora que descobri que eu era só um ajudante, poque nem espingarda pra mim tinha, mas para quem já estava ali mesmo, bora se embrenhar na mata.
Não se apeguem aos nomes, mas eram um tal de: entra pelo carreador daqui, pelo triero dali, atravessa o corgo, abaixa na gaiada e vai entrando mata adentro, eu ja achava tudo ali tão difícil e não tinha como piorar. Até que judas latiu e saiu correndo, o grupo disparou atrás e o menos lascado era o do fim da fila que não abria a mata no peito, até alcançar judas ladrando pra um calango, eu me olhei todo arranhado, lembrei do latido de judas e pensei: é judas sendo judas mais uma vez.
Ainda meio que ofegante eu falei o que era a coisa mais previsível naquele momento: - Gente quero água.
O silencio pairou, um olhou pro outro, acho que até os cachorros nessa hora se olharam, e foi aí que ouvi: - Eita! esquecemos de trazer água.
Foi a deixa que eu precisava e olhando pro João que nessa hora já estava sentado no chão falei: - Ah não João, sem água não dá eu vou embora e essa certamente foi a deixa que João precisava, não então para você não voltar só eu vou com você.
Eu olhei e pensei: poxa! se a coisa tá difícil pra mim, imagina pro João que pesava uns 80 kg amais, mas enfim, o que me importava era ir embora, João deixou a espingarda dele com um outro ajudante, sim porque, trouxa nunca caminha só e eu não estava sozinho de ajudante nessa, e com o seu comparsa, João deixou a tobata que tinha acabado de negociar, e eu ainda ouvi ele dizer: - Fala que eu não vou ficar não porque achei o motor fraco e ta cara.
Eu que não falava pra poupar energia pensei de novo; a única coisa cara que tinha ali, era a cara de pau daqueles dois, mas eu só queria ir embora e quem ia desfazer o negócio não me importava.
Não tivesse tudo já tão ruim, nos ainda nos perdemos na mata no retorno, conseguimos sair no fim da tarde por volta das 18 horas, sem comer e com tanta sede, que me senti um camelo ao beber quase um litro e meio de água ao chegar na fazenda, nesse dia eu vim todo o caminho sem falar com o João, na verdade eu passei uma semana sem nem querer ver a cara dele, nunca perguntei se mataram algum bicho, não quis saber o que a viúva falou na entrega da tobata, foi naquele dia que determinei aquela como a minha primeira e última caçada, denominada a grande caçada furada.

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Inspiração

A inspiração se deu em uma história real vivida em 2007 com um grupo de amigos.

Sobre a obra

Trata-se de um relato real, com uma leve pitada de humor que só passou a existir tempos depois revivendo a história na memória.

Sobre o autor

Um cara de histórias de vida simples, algumas com mais emoção que gosta de histórias seja para contá-las pessoalmente ou escrever como faço agora.

Autor(a): ALEX DARCISIO PEREIRA (Alex Darcisio)

APCEF/MT