O GARANHÃO DE SILVIANÓPOLIS

Em meados dos anos 60, bem no auge dos meus vinte anos de idade, eu era considerado o maior garanhão da cidade de Silvianópolis, no interior de Minas Gerais. Como dizia meu avô: “vestiu saia, eu parto pra cima”. E minha mãe, orgulhosa do filho garanhão, acrescentava: “prendam suas cabras que meu bode está solto”.

Modéstia à parte, eu era muito bem-apessoado. E, para encantar ainda mais as meninas, eu usava Trim nos cabelos, deixando-os bem esticados e cheirando a lavanda.

Para acrescentar mais charme ao meu visual, assim que eu avistava as donzelas, tirava do bolso o meu pente modelador, ajustava-o entre os dedos e dava aquela penteada nos cabelos enquanto caprichava no olhar sensual, parecendo até um ator de Hollywood.

Mas o meu forte mesmo era o fato de eu trabalhar na prefeitura de Silvianópolis, pois, apesar de eu ser um simples contínuo, as meninas achavam o máximo namorar com alguém do melhor órgão do município. Não havia uma só moça da cidade que eu já não tivesse dado uns amassos. Até mesmo a filha do prefeito foi alvo das minhas lábias. Quando ela me via vestido com paletó de linho branco e chapéu Panamá, ficava suspirando.

Certo dia, chegou aos meus ouvidos um boato que na cidade vizinha haviam moças muito mais belas que as nossas, mas que ninguém de fora ousava paquerá-las, pois elas só gostavam dos rapazes de sua própria cidade. Ou seja, os marmanjos de lá jogavam solto com toda aquela mulherada e eu aqui repetindo sempre as mesmas.

Isso tudo soou como um insulto ao meu posto de maior garanhão de Silvianópolis. Não pensei duas vezes: tratei de me informar quando ocorreria a próxima festa naquela cidade, para que eu, corajosamente, fosse o primeiro macho a sair de mãos dadas com alguma moça de lá, além de expandir minhas fronteiras como garanhão.

No dia da festa, peguei escondido o cavalo do meu pai, um Mangalarga Marchador, com a intenção de impressionar as meninas quando chegasse na festa; calcei minhas botas Texana e meu paletó de linho bem engomado e fui trotando todo pimpão para a festa, imaginando o sucesso que eu ia fazer. Procurei chegar com a festa já em andamento, justamente para chamar mais atenção.

Quando eu estava apeando meu cavalo, percebi os olhares curiosos das moçoilas ali presentes. Pude ver claramente a admiração que causei ao verem aquele rosto desconhecido chegando na festa. Fui entrando de cabeça erguida, passos firmes e semblante seguro. No bar, pedi um dos drinks mais caros, com o intuito de mostrar que eu era um homem de posses.

Eu logo percebi que os boatos sobre a beleza das mulheres eram verdadeiros. Todas elas tinham grandes atributos de beleza. Contudo, havia uma que me chamou muito mais atenção. Era uma loira de cabelos bem longos, olhos azuis quase transparentes e tinha um sorriso encantador que alumiava o salão. Estava sempre cercada de muitas moças, como se para elas fosse um troféu ficar ao seu lado e ter sua amizade.

Eu fiquei tão impressionado com tamanha beleza, que nem percebi que os rapazes da festa estavam com os olhos fixos em mim, incomodados com minha petulância em estar ali encarando as meninas com meu olhar sedutor.

Chamei o garçom discretamente e indaguei sobre a encantadora loira. Ela era nada mais, nada menos, que a namorada do maior fazendeiro da cidade, o qual estava viajando a trabalho. Confesso que fiquei um pouco preocupado, mas meu lado garanhão falou mais alto: se eu fui ali para manter a minha fama de conquistador, aquela loiraça tinha que ser minha.

Tomei mais um drink para criar coragem e, assim que iniciou uma moda de viola bem romântica, atravessei o salão em direção à cobiçada. Os seus lindos olhos azuis ficaram esbugalhados quando me viram caminhando ao seu encontro. As outras moças, quase que instintivamente, foram se afastando para deixar livre o caminho. Parei na sua frente, estendi minha mão e, com um belo sorriso, convidei-a para dançar.

Minha boca estava seca de nervoso. Meu coração ficou em taquicardia com a possibilidade de receber um “não” na frente de todos os presentes e, assim, desmoronar a minha fama de garanhão.

Ela ficou muda sem saber o que fazer. Ficou parada me fitando com seus olhos celestiais, até que uma das amigas falou ao seu ouvido: “Vai lá, menina! Uma dancinha só não faz mal...”

Eu era um ótimo dançarino. Aprendi com meu pai, que sempre me falava que o homem que sabia dançar, já tinha meio caminho andado para conquistar as mulheres. Valeu a pena seguir seu conselho.

A loira era leve como uma palha seca. Rodopiamos pelo salão como velhos parceiros de dança. Os olhos de todos estavam sobre nós. Assistiram de camarote à linda namorada do fazendeiro bailando nos braços de um caipira de outra cidade.

Tratei de puxar conversa e percebi que ela estava se divertindo. Então não a larguei mais. Ficamos dançando a noite inteira sem nos desgrudar um só minuto.

Eu estava tão fascinado, que nem percebi que um grupo de rapazes haviam saído da festa e horas depois retornado dando gargalhadas enquanto me olhavam. Não dei importância, pois estar ali com aquela bela jovem era mais valioso que tudo.

E assim, quase já amanhecendo, a festa chegou ao final ao som de Bésame Mucho, de Ray Conniff. Foi uma dificuldade largar os braços da loira. Tentei marcar um novo encontro, mas ela confessou seu compromisso com o fazendeiro e acrescentou: “desculpe pelo que fizeram pra você...”

Tentei pedir explicações sobre aquela frase, mas ela largou as minhas mãos rapidamente e saiu correndo do salão. Fiquei ali pensativo por alguns instantes, tentando interpretá-la, até ser interrompido pelas gargalhadas dos rapazes, que já estavam saindo da festa. Não dei importância e fui pegar meu cavalo.

Para minha surpresa, ele não estava amarrado onde deixei. Percebi que todos já estavam saindo da festa montados nos seus, mas o meu havia sumido. Olhei para todos os lados e não havia ninguém para dar informações. Voltei para o salão e vi somente o garçom arrumando as cadeiras.

Após ouvir minhas lamentações, o garçom calmamente me convidou para sentar e explicou:
- Amigo, sente e descanse um pouco antes de começar a sua sina. Você deve ter ouvido falar da fama da nossa cidade de que ninguém namora as nossas garotas, né? Sabe por quê? Qualquer rapaz que se atreva a vir aqui paquerar nossas moças, tem o seu cavalo levado para uma das fazendas vizinhas, tiram sua sela e rédea e o deixam vagando até seu dono encontrá-lo. Então, amigo, sugiro que inicie a sua peregrinação o quanto antes, pois, pelo nível do seu atrevimento em vir aqui paquerar a filha do maior fazendeiro da cidade, os rapazes devem ter deixado seu cavalo na última fazenda dessas bandas, que deve ficar, aproximadamente, a 70 km de distância. Isso se seu cavalo não for roubado por alguém, antes de você encontrá-lo. Boa sorte, garanhão!!

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Inspiração

Meu cunhado Osvaldo gosta de contar as histórias interessantes que viveu na sua mocidade. Essa foi uma delas que gostei bastante e transformei em um conto. Ele é o próprio garanhão da narrativa.

Sobre a obra

Escrevi este conto como um narrador onisciente intruso, pois conheço o personagem com bastante propriedade.

Sobre o autor

Escrevo desde a adolescência e o Talentos Fenae me ajudou demais a acreditar neste meu talento.

Autor(a): FRANCISCO ALENILSON GIRARD DA SILVA (ALÊ)

APCEF/PA