Talentos

O ENCONTRO

O Encontro

Era uma quarta-feira e o bar tinha movimento suficiente, para que ele se sentisse protegido num primeiro encontro. Escolheu a mesa próxima à cozinha, de onde se via todo o salão. Preferiu chegar antes do horário marcado. Queria reparar o jeito dele andar, logo que entrasse. Afinal, na foto do tinder desconfiou de algum photoshop. César sempre teve mania de descrever as pessoas reparando no modo como elas caminhavam.
Não fosse o cheiro enjoativo das porções de batata frita que saía, a todo momento, e incomodava um pouco, aquela mesa era o lugar ideal. Pediu uma água com gás e lembrou-se de silenciar as notificações do celular. Olhava pela janela, segurando na garrafa quase congelada, tentando contar os encontros já experimentados, naquele mês, quando escutou uma voz: “Posso me sentar?”
Droga! Ele deve ter tido a mesma ideia que eu: chegar antes da hora marcada. Perdi a oportunidade de reparar o seu jeito de caminhar.
Claro, como vai? - Respondeu surpreso.
Era mais bonito pessoalmente. Alto, magro, uma barba cerrada, os olhos cor de folha seca e um cabelo despenteado propositadamente.
As mãos de César, antes frias pelo gelo da garrafa, se aqueceram instantaneamente.
Sentiu seu rosto queimar, quando Antônio, seu mais novo crush, estendeu as mãos para um cumprimento rápido, antes de se sentar.
Por instantes, todas as conversas trocadas, durante a semana, desapareceram da sua memória. A beleza de Antônio era mesmo estonteante.
Meu Deus, que gato!
César já tinha conhecido muitos caras pelo tinder. Alguns relacionamentos duraram uma semana, outros uma noite.
Antônio foi o cara com quem ele mais conversou, antes do encontro presencial. No começo, uma mensagem entre tantas. Depois, as mensagens dos outros foram ficando banais, comparadas às longas conversas com Antônio.
Um dia sem falar com ele era tempo demais. A ponto da notificação do celular deixá-lo perturbado, quando não era um momento ideal para um diálogo demorado.
Assuntos antes genéricos, agora tinham mais profundidade. Conversavam sobre tudo, sem censura e um apoio mútuo parecia se estabelecer ali.
Nem sei porque adiei esse encontro, já estávamos íntimos demais. Como não pude imaginar a fragância do seu perfume? Hum, incrível!
O cheiro engordurado das porções, que antes o incomodara, agora tinha desaparecido por completo.
A presença de Antônio, ali, tão próximo, chegava a ser desconfortável.
Pediu uma caipivodka e ele outra.
Mais uma, mais outra.
Estavam mais relaxados, quando Antônio propôs irem até sua casa. Não ficava longe dali e poderiam ir caminhando. César topou, ainda na dúvida se fazia a coisa certa.
Já tinha ouvido muitas histórias de agressão contadas por outros amigos gays e, apesar de já ter transado com muitos caras que conhecera, em aplicativos de namoro, a primeira vez sempre dava um frio na barriga.
Andaram pelo calçadão, por uns 10 minutos. A brisa suave da noite realçou o perfume amadeirado dos dois. A vontade de César era um pequeno toque, porta de entrada para um beijo ou um carinho qualquer, mas o movimento de Antônio tinha certa distância. Agora sim, Cesar pôde reparar bem o andar dele.
As chaves no portão da casa e a luz do quarto acesa. Abriu a porta e ouviu um ruído vindo do corredor.
Ei, amor, estamos aqui! - falou ele, olhando para dentro.
Uma mulher esguia, num vestido curto, surgiu na sala, com os cabelos ainda molhados.
“Olá, como vai?” Perguntou ela, estendendo a mão para César, depois de trocar um beijo escandaloso com Antônio. - “Hum, vocês estão cheirando a vodka, que delícia!”
Droga, esse cara é casado com uma mulher? Eu nunca perguntei a ele sobre sua orientação sexual. Foi assunto demais para perguntar sobre isso.
César sentiu a cabeça rodar um pouco, mas fingiu naturalidade.
Pediu uma água com gelo e Antônio foi buscar. Trouxe a água, três copos, o balde de gelo e uma garrafa de vodka.
Trocou olhares com a mulher, sem reparar muito. Já nem se lembrava, quando foi a última vez que transara com uma mulher. Antes de assumir sua homossexualidade, tentou namorar algumas meninas, mas depois viu que não era sua praia. Jurou nunca mais.
Conversaram um pouco mais, sobre assuntos aleatórios, a garrafa já quase vazia, até ela sussurrar algo no ouvido de Antônio. Nesse momento, César já estava bêbado demais para pensar em resistir.
A cama era king size. A janela aberta deixou o sol invadir o quarto e iluminar a pele de Antônio.
Um corpo escultural. O que foi que eu fiz?
Antônio, de bruços, abraçado ao travesseiro de plumas de ganso, não reparou quando César se levantou devagar. Vestiu-se com cuidado, com a cabeça ainda um pouco pesada. Do outro lado, também de bruços, dormia a mulher.
César caminhou pela avenida, quase deserta. Parou de frente ao mar.
Chorou, como há muito tempo não fazia.
As ondas fracas, ao longe, iam e vinham, sem parar.




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Inspiração

A obra foi inspirada no tema: amores no século 21 e nas relações que se estabelecem a partir do uso da tecnologia, cada vez mais presente no cotidiano das pessoas.

Sobre a obra

Apliquei a técnica da observação de histórias que me são contadas e fiz um breve relato de como o ser humano pode se frustrar diante de situações imprevisíveis que podem ocorrer num primeiro encontro. Texto intuitivo.

Sobre o autor

Sou aposentada e a literatura sempre fez parte da minha vida. Publiquei o livro o Avesso de Mim, disponível também, no formato ebook pela Amazon. Participei da publicação solidária Contos Para Pernambuco, lançado pela Amazon, em maio/2022, em prol das vítimas das chuvas de Pernambuco.
Publico meus textos nas redes sociais instagram @moraisdenise9

Autor(a): DENISE ANGELA BARROS MORAIS (Denise Morais)

APCEF/MG