Ipité de Oxum

Lonin Ojo Odun de *Lorena*, abian da Oxum.

*Ipité de Oxum*

Na minha primeira noite que pernoitei no terreiro...
Acordei com o galo cantando, aquele povo todo de branco, pisando macio, num silêncio em forma de louvação.

De manhãzinha, bem cedinho, aquele espetáculo das brumas de Ewá, desenhando os céus ao amanhecer.

As mulheres da roça me pegaram pelas mãos e levaram-me para colher akáró (folha-de-dez-réis). Encheram 03 cestos, depois seguiram para o centro do barracão, entoando cântico, sentaram em "apotis" as mais velhas e no chão as mais novas. Posteriormente, despetalarem uma a uma, uma parte serviu para banho de abô e a outra seria para servir o Ipeté, comida ritual de Oxum

A noite, no barracão, o Ogan Alagbê de Ògún, Irolebun, entoou uma Orin para Ògún Onirê. . .

"Ipité Ògún Já, Ògún té dèró... Ipeté akún yan Odé mò dèrò A járe o Ofé..."

Oxum entrava triunfante com uma panela na cabeça, uma adaga dourada escondida sob o ojá que lhe enfeitava a costa, e o abebé em uma das mãos...

Lembro que foras aa últimas coisas que ví e escutei...

O cheiro inebriante do Ipeté, foi me tomando os sentidos, primeiro o ofato, depois a cabeça, depois a alma...

O mundo girou e não ví mais nada.

Quando acordei estava cercada por muitas faces femininas...

Muitas mães!!!

Nunca me senti tão acolhida e amparada.

Ainda um pouco atoarda perguntei:

- Mãe o que aconteceu???!!!

A resposta que ouvi da Ekedji foi simples.

- A força que mora n'água, a divindade que habita em você, floresceu...

Como uma fonte que corria escondida dentro de você e, agora, cristalina, resolveu se mostrar em graça, beleza, leveza e ouro.

No outro dia, após a noite do Xirê da Oxum, levantei leve, tomei bênção aos Orixás, ao meu pai, aos mais velhos, as minhas mães, aos meus irmãos ...

Uma manhã de domingo, que despertava lenta, entre sorrisos, bênçãos, acolhimento e dúvidas, muitas dúvidas.

Fui falar com Álábojí, Tio Álábojí...

A música de Gerônimo, não me saia da cabeça:

*É d'Oxum*

Gente! Parece que nesse terreiro/cidade

?? Todo mundo é d'Oxum . . .
- Homem, menino, menina, mulher

Toda esse Povo, ebé de Oxalá, irradia magia!

_Me sentia assim: irradiando magia!_

Mas o que significava aquela frase:
 
*(. . .) á aguibá Oxum aurá olu adupé*

Meu velho, o senhor pode me falar o que significa essa frase...

- Vixe Lore !

Você me apertou sem me abraçar...

- Se procurar no pai Google, não tem rssss

Eles fazem uma tradução fonética, do que ouvem no terreiro.

Vamos ver:

_. . . á aguibá Oxum aurá olu adupé_

Esse á, deve ser Wá : nós

E aurá - não tem tradução, pode ser...
Matei a charada:

Awó wurá - ouro.

Aguiba - não de ancião, mas de agbara: Poder

Ou seja,

*Nós reverenciamos o Poder de Oxum, a Senhora do Ouro*

Tio Álábojí, o senhor pode contar um Itan de Oxum...

Sim Lore. Olha o sino está batendo, nosso pai está chamando...
Depois conversamos, me lembre.

Lonin Ojo Odun de *Lorena* D'Oxum

À noite, do domingo, chegou lenta, arrastada, preguiçosa... Como se não quisesse chegar.

A lua começava a mudar de ciclo, minguando aos poucos...

Eu, eu estava sensível, suspirando à toa, povoada de emoções , de águas, dememórias que jamais esquecerei...

No corpo, na mente, na alma... Marcas:

- O cheiro de folhas de pitanga, cujo o aroma nos toma,ao serem pisadas ritimicamente, no Xirê.

- A leveza da textura da folhas akáró, sendo preenchida de Ipité, acolhida entre os dedos acomodada nas palmas da mãos:

O primeiro pedaço, parece que o inhame se desmancha na boca, numa explosão de sabores: O camarão seco defumado traz o sal condimentado na medida certa, a castanha adiciona crocância a pasta de inhame, contrastando com a acidez da cebola e, por fim, o dendê, que além de dar aquela cor amarelo ouro, proporciona a sensação de maciês ao Ipité.

- O rhum repicando, sendo levado pela marcação do agogô, dava a melamolência do Ijexá. O bater hipnótico de cada atabaque, vai nos tomando corpo. E o corpo dança, mesmo quando não se quer dançar... Impossível ficar parada, quando se ouve a batida rítmica e cadenciada do Ijexá .

E o branco, nas paredes, nas vestes, nos torços, nos alakás (viu como tou sabida), sendo iluminado pelo Amarelo Ouro, na riqueza das vestes de Mãe Oxum Abalô, adentrando o solo sagrado do barracão do Ilê Ijexá...

Prende-se a respiração, o coração dispara, o silêncio toma todo o barracão quando ela para, suspira, solta seu ilá... E olha, olha detalhadamente para cada anel, cada idé, cada pulseira que lhe decoram os dedos, as mãos, os braços... Aspiraram perfumes suaves pelo o ar e depois, depois...

Não houve depois. . . Desmaiei. E, ainda em transe, cordei nos braços de minhas mães, e com um rosa amarela em uma das mãos.

*Passou!*

Agora eu tinha um propósito, encontrar Tio Álábojí, precisava aprender uma história (itan) sobre Oxum.

- Tio, tio, tio... Álábojí!

E aí tio??

A voz calma, o olhar paciente ... Iniciou:

Vamos lá Lore!

- Contam os mais velhos que:

Oxun encontrava-se com problemas no ventre e isso lhe causava dificuldades para engravidar.

Mas era do desejo de Oxun engravidar. . .

Diante dessa dificuldade ela decide consulta Orunmilá. 
Orunmilá diante do problema de Oxun lhe ofereceu uma ajuda, indagando que ela deveria seguir um preceito e nesse preceito ela deveria oferecer comida a todas as Oxun, todas as irmãs.

Oxun lhe disse que era impossível, pois cada uma comia uma coisa e sem muito pensar Orunmilá lhe respondeu :

- Se esforce, tens que criar um prato onde todas irão comer! 

Oxun então responde: 
-Mas como? 

Orunmilá de pronto lhe responde:
- Você vai procurar uma estrada que parece não ter fim, caminhará e caminhará, algum tempo depois encontrará um homem que lhe presenteará com um fruto! 

Oxun ficou meio desconfiada, mas era a única maneira de se livrar do problema, então, Oxun no primeiro raiar do sol, no dia seguinte, saiu a procura dessa estrada, passou por matas, rios, caminhos de pedras e ventanias. Mas no fim encontrou a estrada, e tornou a caminhar, parou e descansou, mas voltou a caminhar… Até que avista um homem, parado na estrada, esse Homem era Ogun.

Ogun ficou espantado de ver Oxun ali, pois todos sabiam que Oxun não saía de seus rios pra quase nada, ficava sempre no rio esperando os presentes e se banhando… Ela não gostava de sair de seu palácio de águas e naquele momento ela estava alí em uma estrada quente e sem acomodação!

Com esse espanto de Ogun ele lhe pergunta:

-  O que lhe traz aquí Oxun? 

E Oxun conta a Ogun o que lhe passava. Então Ogun vai até a beira da estrada e colhe um fruto chamado Ixú (inhame) e entrega a Oxun e lhe diz para preparar uma comida chamada Ipité, a comida que acalma, e entregue as suas irmãs. 

Oxun lhe pergunta:

- Senhor de todas as batalhas,  o que vai quer em troca? 

E Ogun muito encantado com a beleza de Oxun lhe responde:
-   *Nada!*

Você só terá apenas que sustentar sobre o seu Orí e sob a panela de Ipeté a folha de Abre-Caminho, e não esqueças de acomodar todos os Okutas de suas irmãs sobre o Ipeté.

 Oxum ouviu atentamente as recomendações de Ogun e seguiu as suas orientações; pouco tempo  depois nascia Logún-edé (O filho querido de Oxun)

- E você Lorena, gostou de comer Ipité??!!

- Adorei, Adorei, ainda continuo comendo....
....

*Pois é*, reencontrar a ancestralidade, a divindade que habita em nós, muitas vezes pode ser um afago.
Outras vezes, um 'sacolejo', que nos tira da nossa zona de conforto e, se quisermos colher lírios amarelos, precisaremos:

" . . . sair de nossos rios, e ir buscá-los. :

Axé!

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Inspiração

Itans, são narrativas ancestrais africanas, a idéia surgiu a partir da observação do recorte imagética da cena precenciada no espaço sagrado do Terreiro, transformado em obra de ficção.

Sobre a obra

Narrativas simples, tomando por base, a clássica narrativa africana , denominada Itan, que faz parte do conjunto do Odus de Ifá, "jogos de Búzio:, como parte de interpretação do mundo e da vida.

Sobre o autor

Sou Carlos Alberto Araújo dos Santos, aposentado CAIXA, cadomblecista, cabeça de Oxala, do Ilê Axé Ijexá, militante, ativista, produtores Cultural Preto. Sindicalista, da APCEF Ilhéus - Sul da Ba, voluntario no terceiro setor, ONG M E C, professor, educador corporativo, graduado em Letras, especialização em ADM, MBA em Marketing

Autor(a): CARLOS ALBERTO ARAUJO DOS SANTOS (Carlão - Álábojí )

APCEF/BA