A terra é só azul?

A terra é só azul?
– A lua parece um prato lustroso de vazio – comparando o satélite com o utensílio já desguarnecido do pequeno pedaço de pão que fora o jantar.
Desde o nascimento, o menino parecia ter os olhos voltados para o firmamento.
Um dia, enquanto engraxava os sapatos do doutor, o pequeno trabalhador lançou os curiosos olhos nas marcas do jornal. “A terra é az-zul”. Na manchete do jornal Gagarin contava que o planeta visto das estrelas era azul. O menino que sonhava ser astronauta riu-se murmurando azul… azul… azul.
Terminando o serviço recolheu a caixinha, embolsou as moedas e correu para casa chamando a pessoa mais inteligente que conhecia.
– Biso… Biiisooo…
O senhorzinho que se embalava numa cadeira de balanço enquanto ouvia as vozes do radinho de pilha.
– Que que foi?
Sentando-se aos pés do sábio, o pupilo tagarelou:
– Estão dizendo que a Terra é azul, mas só azul? Só?
Tateando encontrou o botão do aparelho e aquietou a parolagem vinda do aparelho.
– Talvez ele tenha visto apenas o reflexo dos próprios olhos azuis.
O velho respondeu enquanto buscava nas quase apagadas memórias como era o azul, já que os olhos nada mais enxergavam, foram cerrados por uma triste manta branca.
– Quando o céu está azul ele se abre para a revoada dos pássaros, para as piruetas coloridas das pandorgas e as gotas de chuva que podem ser transparentes ou multicoloridas dependendo do olhar. O céu, nunca é só azul.
E o sabedor continuou.
– Quando plantamos uma semente esperando fazer brotar uma flor azul, com a semente vem uma planta verde e uma flor, flor que pode ser azul e que irá atrair joaninhas vermelhas e abelhas amarelas.
E continuou.
– A flor azul ao ser tocada pelos lábios rosados da pessoa amada reflete o colorido do amor. Assim, todo o redor da flor azul é colorido.
Meneando a cabeça o menino concordava com as palavras ditas pelo bisavô.
– Meu bisneto, quando você vai ao riacho pescar lambari, o peixe é somente azul da cor das águas?
O menino abriu a boca para responder, mas o ancião foi mais ágil nas palavras e seguiu.
– E as pessoas que conhecemos, são todas de uma cor só?
Tocando com os dedos trêmulos, o bisavô parecia ler o rosto da criança.
– A última coisa que meu olhar mirou com exatidão foi o seu rosto e ainda lembro que você tinha olhos de céu, um olho azul e um negro, um florescido do dia e outro da noite, e quando triste, se mostravam nebulosos. A vida é colorida.
– Mas Biso, o astronauta foi lá para cima… lá nas estrelas e viu a Terra e…
– Meu bisneto, pelos seus olhos a minha terra nunca será só azul.
E o pequeno trabalhador concordou com o erudito autodidata: – Aprendendo com sua sabedoria minha vida terá mais e mais cores.
Sorrindo com lerdeza, o senhorzinho aumentou o volume do rádio e embalou-se em paz.

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Inspiração

Gosto muito de observar a reação das crianças frente ao mundo a ser conhecido e, por acaso, um dia vi um menino olhando para o céu e questionando o avô: - A terra é só azul? E o idoso, com sabedoria e poesia, mostrou que a vida é cheia de cores como as pessoas são de cores diferentes. Foi um momento poético que tentei guardar.

Sobre a obra

É um conto pequeno, com um núcleo apenas - avô e neto - conversando sobre o planeta. A grandeza da obra está no diálogo entre duas gerações, diálogo que precisamos valorizar e motivar. Os outros elementos surgem com singeleza, de modo a não desviar a atenção do leitor para outra questão que não o diálogo.

Sobre o autor

Creio que meu talento para as letras é como o de uma criança que tateia o mundo. Leio muito, escrevo e alimento as gavetas daqui de casa com muitos textos, mostro pouco da minha obra para as pessoas, sou tímida.

Autor(a): LILIAN DEISE DE ANDRADE GUINSKI (Lilian Guinski)

APCEF/PR