Talentos

Canção da Chuva

Canção da Chuva

O açoite do vento é melodia
para quem, como eu, nasceu na roça
e os respingos na água que empoça
são as notas de uma bela sinfonia.
Quem há tempos da chuva não ouvia
um concerto aguça seus sentidos
e transforma seus ais tão doloridos
em festivas canções, como as de Momo...
O barulho da chuva soa como
uma linda canção aos meus ouvidos.

Ao olhar uma chuva no sertão
do alpendre da nossa fazendola
só parece com cordas de viola
esticadas do céu até o chão.
Faz tão bem o seu toque ao coração
que põe fim às mazelas e gemidos
e eu só volto pra os ares poluídos
por não ter outro jeito, mas embromo ...
O barulho da chuva soa como
uma linda canção aos meus ouvidos.

Quando a chuva em janeiro lava as telhas
vira música no balde da goteira,
um deleite aos tímpanos da madeira
(cogumelos nos caibros, feito orelhas).
O balir tão dolente das ovelhas
se mistura a um coro de mugidos
ao limparem os corpos encardidos
e esse banho, feliz, eu também tomo...
O barulho da chuva soa como
uma linda canção aos meus ouvidos.

Se aquele que canta espanta os males
imagine quem ouve no sertão
a sonata da chuva, o trovão,
quando bailam "Valmets" e "Agrales":
As vovós desentocam os seus xales,
camponesas capricham nos vestidos,
nas moçoilas decotes atrevidos;
O meu fraque pra festa eu mesmo engomo...
O barulho da chuva soa como
uma linda canção aos meus ouvidos.

No cenário da seca nordestina
vê-se o açude, outrora alagado,
parecendo com o rosto enrugado
de um velhinho na rede da campina,
mas ao toque da valsa da neblina
cicatrizam os cortes tão doídos
na feição dos porões, antes feridos,
sem botox e sem mercúrio cromo...
O barulho da chuva soa como
uma linda canção aos meus ouvidos.

A orquestra da chuva, quando ouvires,
e se o sol em seguida abrir cortinas,
com certeza verás as mãos divinas
colorindo as faixas do arco-íris.
Se o final desse arco conseguires
alcançar tu terás bem escondidos
vários potes de ouro, coloridos,
esses jarros quem cuida é um gnomo...
O barulho da chuva soa como
uma linda canção aos meus ouvidos.

Quem não lembra o famoso Gene Kelly
a cantar e dançar numa calçada!
O acorde da chuva era a toada,
muito embora o filme não revele.
Sua roupa molhada sobre a pele
provocava suspiros incontidos,
bailarino de passos divertidos
e elegância sutil de um mordomo...
O barulho da chuva soa como
uma linda canção aos meus ouvidos.

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Inspiração

A ideia surgiu após ler um texto da professora Simone Freire, onde destaca a importância da chuva, principalmente para o sertão nordestino.
Ao final ela escreve que o barulho da chuva parece muito com uma bela canção.

Sobre a obra

O poema foi escrito em décimas decassilábicas, com a estrutura ABBAACCDDC. Sendo obrigatório a tonificação nas sílabas 3, 6 e 10 de cada linha.
Todas as estrofes finalizam com o mesmo refrão ou mote, como fazem os Repentistas nordestinos.

Sobre o autor

José Orlando Ayres de Queiroz, nascido na fazenda Alto da Pedra, Quixadá/Ce. Aposentado da Caixa. Casado com Vera Queiroz e pai de Iara Maria e Pedro Henrique.
Fundador e atual presidente do Clube da Viola, entidade que busca preservar e difundir as manifestações culturais, notadamente a Arte do Repente.

Autor(a): JOSE ORLANDO AYRES DE QUEIROZ (Orlando Queiroz )

APCEF/CE