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MEU TIO CRISPIM
Meu tio Crispim
Rua Esmeraldino Bandeira 107 Graças – Recife- PE.
Esse era o endereço de meu avô paterno,Orlando de Miranda Henriques.Paraibano de Bananeiras,casou em 1as.nupcias com minha avó Ma.Zuila,nascida Galvão de Mello,também paraibana.Vovó Zuila faleceu cedo na década de 30.Papai nasceu em 1925,tinha 10 anos quando a mãe morreu.Tiveram 4 filhos – Maria Augusta,Lenita,Orlando e Mario.
Meu avô tinha pequena industria de café e condimentos em Bananeiras.Colocou à venda para vir com a família para Recife durante a tal Revolução.Mas alguém disse para o tal governo da época que ele iria vender para um inimigo da revolução.E incendiaram tudo,deixando nossa família sem nada para vender nem se sustentar.
Meu avô Orlando chegou em Recife e começou do zero sua vida,com esposa e os 4 filhos.E pelo que me contaram,os pais dele viveram aqui.Só conheço o nome da minha bisa,Adélia,e fragmentos.Nem imagino como deve ter sido difícil naquela época.Papai me contava fatos,vovô falava um pouco da vida dura que teve enquanto eu fazia um cafuné na cabeça dele,no sofá da sala de jantar.Dizia que ia trabalhar com apenas um pão para o dia todo,e que andava muito por não ter o dinheiro para o bonde.
Vovô tinha três irmãos que eu elmbre.Meus tios-avós CRISPIM,Irene,Yayá.
Soube que vovó Adélia,a bisa,morou nesse endereço da Esmeraldino Bandeira.Lá era o ponto de encontro dos primos,irmãos,depois que papai e meus tios casaram,bem como os irmãos de vovô Orlando.Era uma profusão de primos de 1º.e 2º.grau.Gente de vários estados e cidades.Uma festa.A gente pedia a bênção até para primos mais velhos.Alguns eram padrinhos.
Agora vou falar sobre meu tio-avô CRISPIM.Ele tinha uma oficina no quintal dessa casa.Ele não casou.Era excelente profissional de consertar piano,empalhar cadeiras e consertar rádios.E era cego.Uma empregada de vovó com sífilis e falta de higiene foi a causa da cegueira de tio Crispim na infância.Uns 10 anos eu acho.
Um primo nosso,Milton Lyra,escreveu um livro com parte de nossa árvore genealógica (MIRANDA HENRIQUES E HENRIQUES LYRA )e cujo titulo era “CRISPIM,o cego que enxergava”.Descreveu fatos incríveis que ele testemunhou.Tio Crispim enxergou na infância.Depois da cegueira,desenvolveu muito o olfato,a audição e o tato,que usava com maestria no seu ofício.Andava sozinho ou acompanhado,de lotação.Se guiava pelos aromas e sons e dizia ao motorista da lotação aonde estavam passando.
Meu avô Orlando e tio Crispim tinham uma relação muito estreita,que permitia brincadeiras impensáveis hoje.Juntos na sala toda manhã,eram felizes.Vovô era assinante do Diario de Pernambuco desde a década de 1960.Lia uma manchete e dizia para tio Crispim “Crispim,lê aqui essa noticia sobre o resultado do jogo de ontem”.E dava o jornal para ele,que soltava uma pilhéria de volta.
Essa genética é forte – papai era assim,eu sou,meus filhos são.
Acho que veio de vovô Orlando também essa minha resiliência diante das dificuldades e capacidade de virar o jogo.Quando eu ‘conheci’ vovô,ele era funcionário da Pernambuco TRAMWAYS,depois CELPE.Foi o único funcionário brasileiro na diretoria porque falava inglês.Aprendeu inglês sozinho naquela época.Trabalhou por 47 anos na empresa,E aposentou-se pela CELPE.
Voltando a tio CRISPIM,disse meu primo que ele pegava esses pianos de famílias abastadas e desmontava todinho para desespero dos proprietários que o chamavam para consertar – em Recife ou Caruaru.Colocava todas as peças pelo chão.Pena que não tinha foto dessa cena.E ele montava tudo de novo,deixando o piano em perfeitas condições.Pena que não teve nenhum primo que aprendesse o oficio,hoje valiosíssima mão-de-obra.
Em 1969 tio CRISPIM foi internado para operar de apendicite no Hospital Barão de Lucena.Foi vitima de choque anafilático e não voltou da anestesia.Estive lá,viemos de João Pessoa,mas criança não entrava.Vi ele da porta,dormindo,pela ultima vez,numa enfermaria.
Tio CRISPIM tinha um ajudante na oficina,apelidado de Zé Grampão.Esqueci o nome dele e da esposa,que lavava e passava as roupas na casa de vovô Orlando. Depois que tio CRISPIM faleceu,vovô desceu na oficina para desativá-la.Tinha motores,esmeril,ferramentas,bancada,ferros,madeira,etc.E um rádio tocando direto.Quando meu avô descobriu o rádio tocando direto,tomou um susto com a possível conta de luz alta.Zé Grampão tranqüilizou vovô,se é que isso fosse possível.
-“Seu Orlando, não se preocupe.Seu CRISPIM fez um gato.”
Fora o fato de vovô Orlando ser funcionário da CELPE,podendo ser demitido(um detalhe),fica aqui um registro para esse cego que enxergava.O rádio foi instalado bem alto,numa viga de sustentação.
Eu sinto muito orgulho de meu tio CRISPIM,de seu exemplo de superação e de capacidade.E uma saudade danada,dele e de vovô Orlando.
Minha infância foi maravilhosa.
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Inspiração
Escrevodesde a infância - cartas,redaçoes,para concursos.A idéia veio da saudade dessas pessoas e dessa época.Escrever cura.Cicatriza
Sobre a obra
Escrevi livremente,sem técnica.O cuidado apenas é com o idioma e a pontuação
Sobre o autor
Sou uma criança que tem alguns anos a mais Observadora,criativa,feliz por estar nesse planeta.Meu talento é escrever bem,e conseguir passar em palavras o clima que está fazendo no ambiente que eu estou.Dizem...
Autor(a): MARIA CRISTINA DE MIRANDA HENRIQUES (CRISTINA HENRIQUES)
APCEF/PE