Talentos

O Mistério da Torre de Metal

Diário do Tenente 26 – Dia 88 Ano 324
Acabamos de chegar na cidade conhecida como o berço da sociedade civilizada. Um lugar que foi no passado faziam lutas em grandes arenas, levando diversão ao povo entediado da casta mais privilegiada da sociedade. Sentamos nas cadeiras ao redor de uma mesa redonda, e pegamos nossas rações de campo da mochila. Já estamos em campo a semanas, estamos esgotados. O comandante não parece nem um pouco satisfeito com isso. Ele apenas olha para nós. Aponta para o objeto de metal que está atrás das muralhas sagradas da cidade antiga. O objeto é enorme, grande como uma montanha.
Logo nos levantamos e nos preparamos para ir embora. Continuamos famintos, mas temos pouco tempo. Logo o sol nascerá e dificultará nossa missão. O caminho é árduo em meio a tantas pessoas ali paradas. Elas olham para o céu. O capitão deixou claro que não podemos machucar aquelas pessoas. Então, precisamos andar com cuidado para não correr o risco de derrubá-las. Não entendo o motivo disso, afinal, eles estão...CHEGARAM!
Eles são da equipe de reconhecimento. Parecem cansados e feridos. Eu sabia que isso aconteceria. No momento que o primeiro-ministro nos enviou para esta missão. Encontro meu companheiro de batalha depois de tanto tempo sem vê-lo. O número 81 do batalhão. Ele mal conseguia andar, tinha feridas abertas com sangue escorrendo pelos rasgos do uniforme. Ele me agarra apertando com força meu ombro dizendo “Não volte lá, esqueça a missão. Não confie neles, eles vão...”. Logo depois disso desmaia em meus braços.
Olho atento para toda equipe de reconhecimento. Nenhum deles parecia muito bem. Estavam assustados, não conseguiam falar. O capitão deles, o único ainda intacto conversava com nosso capitão. Ele tinha um semblante misto de seriedade e medo. Assim que acabei de fechar a ferida de meu amigo desmaiado, resolvi tentar conversar com os outros. Mas foi inútil. Eles não tinham palavras para descrever o que viram. Nosso auxiliar médico é designado para ficar aqui, cuidando da equipe de reconhecimento. Pelo menos, o que sobrou dela.
Continuamos seguindo e se passou bastante tempo. O sol já nasceu e sabemos que isso não é muito bom. A luz é perigosa aqui. Aqueles olhos horríveis ficam à espreita, esperando ter luz suficiente para que possam nos enxergar. Não entendo o porquê dessa missão. Será que o objeto metálico não veio de baixo do mar? Será que ele veio mesmo do...céu? Não consigo acreditar nisso. Os subversivos na rua espalhando aqueles folhetins de uma invasão alienígena estavam...certos? Então todos que prendi. Todos que usei da violência para parar. Todas aquelas crianças vendo seus pais sendo levados diante dos seus olhos por defenderem a ideia que o objeto metálico veio do céu, e não do mar... eles estavam certos?
Preciso parar um pouco para pensar. Por que toda essa missão está envolvida em tanto mistério? Sou um tenente, deveria ser informado da missão. O comandante nem sequer olha para o pelotão.
Meus pensamentos são interrompidos pelo comandante. Ele é grande. Ele não disse uma palavra desde que começou essa missão. E não seria diferente agora. Apenas apontou para que eu seguisse meu caminho. Eu segui rumo ao objeto metálico, mas não vou parar de pensar nos olhos de meu amigo me encarando, enquanto me alertava para não confiar “neles”....mas quem seriam “eles”?
Seguimos todo o caminho famintos e cansados. Estava perdido em pensamentos, quando vejo de perto o objeto metálico. É enorme. Ele é ainda maior que nossa montanha mais alta. Uma torre de metal que é tão alta que seu topo se perde em meio às nuvens. Sua base é alongada e vai afinando a medida que olho para cima. Um metal escuro que nunca vi antes, num tom esverdeado. Um monumento tão espetacular quanto assustador. Nos aproximamos mais da torre de metal. Há uma pequena porta recém-aberta, feita de um metal claro. Tem um símbolo de uma ave branca segurando um tipo de vegetação desenhado na porta. Nunca o vi antes.
O comandante nos manda seguir. A única coisa que tenho certeza é que essa construção é mesmo alienígena. As portas têm placas em cima, indicando o que tem nelas. As luzes estão fracas. Afinal, quem viveu aqui nessa construção enterrada no fundo do oceano? Andamos sem parar pelos corredores. Observo que as luzes ficam ainda mais fracas cada vez que adentramos mais na construção. Olho para a porta a minha direita e vejo...sangue? O que aconteceu nesse lugar? De quem é esse sangue? Usando minha luva de proteção encosto levemente o dedo nessas gotas de sangue. Claramente, foi derramado recentemente.
O comandante olha para mim, ainda sem dizer uma palavra. E parece furioso por conta de eu perder o foco. Ele apenas aponta para que eu siga adiante. Mais uma vez, o mistério aumenta. Entramos numa sala no centro da construção, com uma luz azul enorme, em cima de uma mesa retangular que toma toda a sala e umas cem cadeiras ao redor dela. Que lugar era aquele? Algum tipo de sala de reunião?
Observo os outros soldados intrigados. Nosso comandante tira algo do bolso, e aponta para a mesa. Aquela luz azul começa a tomar forma de objetos. De construções. De vegetações. De...pessoas? Isso é algum tipo de holograma! Observamos com atenção as imagens vividas diante de nós. Tudo em miniatura. Aparentemente o que estavam mostrando ali, era toda a evolução deles. Desde os primórdios de seu mundo até sua destruição. Vimos sua espécie deixar de viver em cabanas de palha para viver em construções metálicas cheias de luzes. Armas feitas de pedra serem trocadas por armas que atiram raios vermelhos. Os animais que serviam como transportes, substituídos por veículos que voam sozinhos. Seu idioma, antes escrito, substituídos por máquinas que falam por eles. Tudo aquilo é fantástico! Todos nós olhamos admirados para tudo aquilo. Menos o comandante, que demonstra muita tristeza. Porque ele estaria assim, depois de testemunhar uma tecnologia assim? Então, tudo aquilo se desfaz.
Diante de nós, aparece um alienígena, agora um holograma em tamanho real. Muitos de nós se assustam. Foi um tumulto e tanto. O holograma parecia vivo. Mas eu não me movi. Permaneci no mesmo lugar para ver até onde aquilo iria. Podemos ver claramente o rosto do alienígena. É anatomicamente parecido conosco. Mas ao mesmo tempo, sua pele, seu cabelo, seus olhos, suas mãos...são...diferentes.
O holograma começa a falar em nosso idioma. Como eles poderiam conhecer? Já estiveram aqui antes? Ouço atentamente cada palavra. Não irei reproduzi-las neste diário. Elas são tão...marcantes! Alguns dos meus companheiros derramam lágrimas. Outros ficam sem palavras. O comandante havia sumido. Quando percebo a sala estava cercada por seres vestidos em roupas metálicas que cobrem todo o corpo. Roupas feitas de liga metálica com luzes verdes piscando sem parar, um capacete com um visor escuro que esconde o rosto e armas muito diferentes das nossas, que tem uma espécie de fluido como munição. Meus amigos estão assustados. Estamos em nove, contando o comandante. O grupo deles, tem pelo menos vinte na sala.
Atiramos neles, conseguimos derrubar alguns. Mas as armas deles são letais. Basta o contato com nossa pele e logo caímos como feras num abate, sem chance de defesa. Um a um, vi meus companheiros cair. Mesmo conseguindo ferir alguns dos alienígenas, aquelas armas são letais. Aquele fluido estranho, num tom alaranjado, que saem de suas armas mais facilmente que as munições de nossas armas, numa espécie de esfera teleguiada. Eu resisti o máximo que pude. Todos os meus companheiros caíram. Só restava eu de pé. Cansado. Faminto. Fraco demais para me defender. E então, comecei a associar tudo. O silencio do comandante. O fato dele não deixar a tropa se alimentar direito. O mistério em toda essa missão. Era uma armadilha. Simplesmente queriam nos entregar aos alienígenas...mas porquê?
Olho a minha frente, e lá está o maior dentre os alienígenas. Ou quem estava tentando se passar por um. O comandante corpulento diante de mim. Pego o que resta de minhas forças e ataco o traidor com uma coronhada de minha arma. O elmo se parte e o rosto dele é revelado. Eu imaginei ver a face de um traidor. Alguém que se aliou ao inimigo. Mas vejo apenas alguém triste, que nem sequer conseguiu me encarar nos olhos, quando disparou a arma em mim. Senti aquela gosma laranja penetrando meus poros, tomando todo o meu corpo. Eu tive visões estranhas, comecei a perder meus sentidos. Mas não podia deixar de encarar meu antigo líder, a quem tanto admirava, sem conseguir me encarar de volta. Encosto numa parede, e sinto minha vista turva. Logo tudo fica escuro e sinto minha cabeça tocar o chão, ficando na escuridão por completo.
Diário do general da rebelião - Data Solar 5674
Finalmente retomo este diário. A rebelião toma conta das ruas. Os rebeldes finalmente conseguirão salvar nosso povo. Nosso alvo: o primeiro-ministro. Ele foi o responsável por tudo. Contarei a todos vocês o que aconteceu a exatamente vinte anos de seu calendário.
Vinte anos atrás recebi a missão de seguir com a patrulha de ataque, que deveria se encontrar com a patrulha de reconhecimento na antiga cidade destruída de Koma. Ela foi o berço da nossa civilização. Da democracia, que tanto nos orgulhávamos. Nos orgulhávamos de nossa enorme cidade, mas a ambição de nosso povo nos levou a guerras intermináveis. Nossos animais quase foram extintos. A natureza entrou em desequilíbrio. O nosso meio ambiente ficou hostil. Tudo que existe em nosso planeta agora, não passa de ruinas!
O sol, antes uma benção dos deuses, agora pode corroer nossa pele se ficarmos expostos a ele por muito tempo, graças a exposição a zalcarita, o metal mais precioso desse lugar. Por conta de tantas guerras, nossos corpos mudaram, desenvolveram doenças incuráveis graças a armas de destruição em massa criadas com o único intuito de matar. Um castigo da própria natureza, sem dúvida. As “pessoas” admirando o céu que citei no inicio desse diário, eram restos mortais que foram queimados devido a exposição ao sol, tiverem sua pele arrancada de seus corpos, morreram olhando para o céu gritando em agonia, pedindo aos deuses que levassem logo suas almas ao reino divino para que não sofressem mais. Morreram de pé, como espantalhos macabros servindo para assustar os desavisados. Não podíamos “machucar” nenhum deles, pois aquilo era uma lembrança do que fomos, e do que deveríamos evitar voltar a ser.
Por que tememos tanto a luz aqui? O sapo zalcariano, uma fera assustadora que pesa seis toneladas e tem presas afiadas que podem rasgar nossos corpos ao meio apenas com o toque. A única vantagem que temos sobre eles é o fato de não enxergarem no escuro. Quando o sol nasce, aqueles olhos vermelhos saem do meio das arvores e preparam para nos devorar. Por conta de todo o mal que fizemos a natureza, dizimando a fauna local, ele não possui mais um predador natural. E crescem mais que nossa população.
A equipe de reconhecimento que nos antecedeu na missão, tinha sido usada como experimentos quando entraram na nave. Aqueles mascarados que me atacaram a vinte anos, tinham feito o mesmo com eles um dia antes. E os mascarados eram nosso próprio povo, usando o exoesqueleto alienígena. O fluído que saia de suas armas era uma espécie de mutagênico, para fundir nosso DNA ao alienígena. Eles acreditavam que isso curaria nossas doenças, que poderia nos fazer viver novamente no sol. O fluido foi criado por nós, usando a tecnologia dentro da nave, que continua também memórias dos alienígenas - que estavam em estase criogênica dois deques abaixo. E que melhor escolha para servir de cobaia do que soldados alienados que seguiam suas ordens sem questionar? Todos voltaram tendo alucinações, acreditando serem de outro lugar. Falando outra língua. E ninguém se importou com isso. Lembram do número 81? Ele ainda está vivo. Mas nunca mais foi o mesmo. Acredita que é de outro planeta e vive tendo alucinações a ponto de ser encontrado nu no meio do deserto. Ele tentou me alertar. Disse para não confiar “neles” – só não imaginava que falava de nosso próprio povo.
Nós, do planeta Zalcar, estamos limitados a viver em uma cidade dentro de uma cúpula chamada Gorlus. Aqui, todo ano temos eleição. A democracia funciona. Elegemos o rei, o vice-rei, o primeiro-ministro, os senadores e os prefeitos distritais. O exército, segue as ordens de quem for eleito, sem questionar. A cúpula era dividida em três partes: as ruas comuns, onde viviam 90% do povo; o centro de segurança, onde vivia o exército e os líderes das igrejas; e o topo, onde só vivia a nobreza e os políticos. Eu acreditava que quem nascia na nobreza, é porque os deuses assim queriam. Os pobres, estavam assim por estarem recebendo um castigo dos deuses. Nunca questionei nada disso. A única forma de alguém das ruas chegar ao topo era sendo um político. Eu tentei, mas tive de me contentar com ser um tenente do exército. Pelo menos, não tinha mais que lutar por comida diariamente.
Os nossos governantes, junto com a elite da cidade, os líderes do exército e os religiosos acreditaram que a única solução para podermos voltar a viver ao sol era usar o DNA dos alienígenas presentes naquela nave nos nossos corpos. A nave já estava lá a mais de 100 anos, e eles esconderam do nosso povo. Já tinham feito experiencias. Uma vez que estivessem curados, planejavam deixar os que vivem nas ruas e nós, soldados, para trás, enquanto iriam usar a tecnologia da nave para construir uma megalópole para eles, livres das doenças.
Eles falharam num ponto: a fusão entre as duas espécies funcionou comigo. Me jogaram numa vala em meio a restos de construções devastadas. Vaguei por este planeta venenoso por meses, sem saber o que eu era. Até que entendi o que devia fazer. O meu DNA se fundiu ao dos alienígenas. Agora, sou um híbrido. E farei de tudo para salvar meu povo. Vou parar todos os inimigos do povo, um a um, começando pelo primeiro-ministro, que arquitetou tudo. E a vocês, que leem esse diário, vou finalizar com as palavras que ouvi do holograma alienígena a vinte anos. Se eu não sobreviver, saibam que morri tentando fazer o certo, como dizia essa mensagem:
Aqui fala o último ser de uma espécie prestes a se extinguir. O que mostramos a vocês foi tudo que nossa espécie passou, desde os primórdios até o final. Mandamos nossa nave ao planeta Zalcar por serem parecidos conosco. Temos esperança de ajudá-los a se desenvolver e viver em harmonia com o planeta. O que restou do nosso povo está em estase criogênica, aguardando o momento certo de acordarem. E deixo essa decisão com vocês. Afinal, somos nós os invasores no seu planeta. E depois de destruirmos nosso mundo, não temos direito de conviver com vocês, a menos que queriam. Se decidirem que merecemos isso, existe um código de comando no computador principal para acordar a todos. Tudo o que peço é que não cometam o mesmo erro que nós. Usem nossa tecnologia para ajudar seu mundo. Seu povo. E um dia, se puderem, ajudem a reviver nosso lar: Terra!

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Inspiração

Sempre gostei de ficção cientifica e historias futuristas. Imaginei como seria o mundo daqui 1000 anos. O que seria da espécie humana? Teríamos contato com outros planetas? Teríamos tecnologia para salvar o mundo de todo o mal que causamos a ele no decorrer dos séculos? Resolvi responder essas perguntas em um conto.

Sobre a obra

A obra mistura elementos de ficção cientifica e terror. Coloquei leves criticas a problemas que temos atualmente na sociedade e a minha visão de onde isso pode nos levar. Personagens construídos de forma a prender o leitor. A construção do texto foi feita de forma a deixar o leitor interpretar como o personagem age em cada momento do conto.

Sobre o autor

Sou formado em Produção Multimídia. Em relação a artes manuais, trabalho com artesanato em EVA e biscuit e cenários em miniatura. Gosto de desenhar, em especial, no estilo HQs. Sou cosplayer. Também faço arte digital, que envolve games, animação e 3D de uma forma geral. Gosto de criar personagens desde sua concepção até levá-lo a mídia final.

Autor(a): ANTONIO MIGUEL MACEDO FIGUEIREDO (Miguel Mario)

APCEF/BA