Caixa das Bruxas

Bernardo trabalhava em uma renomada instituição financeira, mas se encontrava em férias na chamada Ilha da Magia, Florianópolis. Mesmo em seu período de descanso, tirou um tempo para colaborar com uma ONG de preservação ambiental. Gostava de caminhar na praia e não estava se sentindo sacrificado enquanto recolhia lixo e plásticos deixados desleixadamente sobre a areia. Tinha o Sol e o mar por companhia, um sorriso no rosto e uma intuição de que usava bem o seu tempo. Era a última semana da baixa temporada e o clima estava propício para um mergulho assim que terminasse de limpar aquela área.

Já se preparava para a corrida até a água quando se deparou com uma tira de couro enterrada na areia, próxima a uma duna. Resolveu puxar a tira e descobriu que pertencia a uma pequena bolsa de couro, parecia antiga e não estava vazia. Pouco depois uma jovem mulher com conchas no cabelo caminhou em sua direção e agradeceu a Bernardo por ter achado a bolsinha. Ela conta que carrega dentro da bolsa objetos que a façam lembrar de histórias, boas ou más, de preferência de boas ações como ele está fazendo ali na praia.

— Fascinante! É um verdadeiro tesouro, então! Feito de memórias valiosas, boa ideia mesmo, qual o seu nome? — Bernardo se sente à vontade com o rosto simpático da moça.

— Indiara, eu moro aqui perto, numa comunidade de pescadores, sou manezinha da ilha. E você é daqui? Desculpa, como disse que era o seu nome?

— Não disse, é Bernardo. Moro em São Paulo, mas é minha terceira vez aqui, acho muito revigorante caminhar por essas praias, pelas trilhas.

— Ah, só cuidado com as bruxas da ilha. Vai que você encontra com uma por essas trilhas! — brincou Indiara, rindo com Bernardo logo em seguida.

— Já estou ciente, estudei um pouco das lendas aqui, no livro do Franklin Cascaes, sei que os mitos de bruxas aqui são fortes, faz parte da tradição.

— Sim, inclusive na minha família. Tem quem diga que sou descendente de uma delas, na verdade eram mulheres fortes, curandeiras, só isso. O povo inventa, exagera para deixar as histórias mais interessantes.

— Francamente, você que é interessante! Deveria estar assustado com esse papo de bruxas, mas estou ficando amigo de uma. — Indiara riu novamente, com a observação de Bernardo.

— Você falou em tradição. Tem uma tradição vinda das bruxas da ilha de Santa Catarina e que envolve esse tipo de bolsinha que você encontrou para mim, sabia? Dizem que na lua certa elas se reuniam na praia para depositar estas bolsas de couro dentro de uma caixa grande, que elas escondiam com esmero. Mais ou menos como os piratas faziam, elas as enterravam na ilha, pois eram seus maiores tesouros.

— Trabalho em um banco, entendo bem a lógica de guardar e investir dinheiro para que renda com o tempo. Ou que esteja disponível em um momento de aperto. A caixa das bruxas com histórias vai na mesma linha de raciocínio, guardar a memória é uma garantia de que os erros do passado não se repitam no futuro, e boas histórias rendem mais histórias e conhecimento.

— Parece que não sou a única com pensamentos interessantes aqui, senhor Bernardo! — a frase veio com um sorriso de Indiara e uma expressão um tanto tímida de Bernardo, que não estava acostumado com elogios.

— Já que você me fez o favor de encontrar e entregar a bolsa de histórias, e teve a educação de não abrir para xeretar no conteúdo, gostaria muito que você me acompanhasse até minha comunidade. Quero te apresentar para meus amigos e minha família, te servir um suco para amenizar o calor, você parece uma pessoa boa, eles também são e vai ser ótimo para você ter um apoio do pessoal nativo nas suas férias. Me acompanha? É um agradecimento sincero.

Bernardo achou muito difícil recusar aquele convite, e assim foram caminhando lado a lado, cerca de vinte minutos de uma conversa agradável em um passo tranquilo, descompromissado como aquele clima praiano.

Ao chegarem a uma comunidade de pescadores, um senhor pergunta quem ele é e se está perdido. Nisso, assim que ele se volta para Indiara, para explicar que está chegando ali em sua companhia, percebe com surpresa que a moça não está mais ao seu lado. Não a encontra mais, por mais que gire a cabeça em busca dela.

Uma jovem que está com o pescador nota a bolsinha no chão, ao lado de Bernardo e reconhece como sua. Havia perdido a noite anterior e sorri com sua recuperação. Pergunta a Bernardo onde a encontrou, agradece e fica radiante com a volta do item.

— Encontrei a uns vinte minutos de caminhada daqui. Quem me falou sobre a bolsa e me guiou até aqui foi uma amiga de vocês, Indiara. Mas agora não sei onde ela se meteu.

— Indiara? — questionam em uníssono tanto o senhor quanto a jovem. Olhares incrédulos são trocados entre os dois.

— Sim, uma moça até parecida com você, usa conchas para enfeitar o cabelo.

— Moço, Indiara era o nome da minha avó. Ela faleceu tem mais de vinte anos. Ela que me ensinou a fazer essa bolsinha, inclusive.

Tocada com aquela história, a jovem convida Bernardo para um luau naquela noite, onde as pessoas vão continuar a tradição dos depósitos de itens de valor afetivo nas caixas.
Bernardo participou de muitos luaus depois daquele primeiro,
aderiu a tradição depositando na sua bolsa e, de tempos em tempos, na caixa daquela comunidade bruxólica de pessoas boas, alguns itens que julgava importantes como a caneleira de conchas da moça, um poema que fez para ela, o exame de gravidez mostrando que nasceria uma filha daquele encontro de almas abençoado pela avó da moça. Bernardo investiu no amor e viu render momentos preciosos e encantadores, parecidos com aquela Ilha da Magia.

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Inspiração

Florianópolis, onde moro, é rica em lendas e histórias de bruxas, um dos motivos pelo qual também leva o nome de Ilha da Magia.
Além de toda a beleza natural, foram criadas diversas lendas sobre criaturas como bruxas, fantasmas e lobisomens. As histórias
surgiram com os açorianos que colonizaram a ilha e foram levadas adiante pelos ilhéus.

Sobre a obra

Quis narrar uma história que traz mistério, mas também passar a mensagem de que devemos acumular momentos especiais.
Tentei escrever de uma forma fluida e usar linguagem acessível, pois em um conto cada palavra conta.

Sobre o autor

Sou formado em Tecnologia da Informação, Gerência de Projetos e História.
Possuo contos publicados em diversas coletâneas de Literatura Fantástica e sou autor de Sob a Égide, romance de espionagem e mistério.
Como artista, busco o insólito e meu objetivo é contar histórias fascinantes. Mais informações em www.marcelolaserra.com

Autor(a): MARCELO MILTON LASERRA (Marcelo Laserra)

APCEF/SC